A carga Variações metida nos contentores

Interactividade, memória e festa popular, na noite do 25º aniversário da morte de António Variações e do Santo António. “Experiência Variações” a partir de hoje até dia 14.

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André Murraças, o criador, o criador, o criador Rui Gaudêncio

Aqui há farturas, pipocas, cervejas e António Variações em espírito, com a sua carga pronta e metida nos contentores. Em plena Fábrica do Braço de Prata, em Lisboa, espera-se esta noite celebrar a “Experiência Variações”.

Há exactamente 25 anos, Portugal perdia alguém que não será bem “um ícone, mas certamente uma referência”, diz André Murraças, performer, criador, encenador e mais um punhado de substantivos criativos. “Morreu na noite de 12 para 13 de Junho e acho que iria gostar que passássemos um Santo António com ele presente”, comenta entre os contentores alguém que é seu fã, “absolutamente”.

Desta vez, Murraças não faz um “one-man show”, mas também não se resguarda - simplesmente presta tributo a Variações após um convite, que já tem dois anos, da produtora Cassefaz. Guardado o projecto para a data redonda, agora ele está em oito contentores, desde dia 9 e até dia 14, no âmbito das Festas da Cidade.

Os contentores são símbolos do mais-ou-menos-ícone: “O Variações é tão complexo, tão cheio de caixinhas. O que é engraçado é que todas essas facetas nunca se misturam: a origem minhota, a vinda para Lisboa, as viagens ao estrangeiro, o lado de barbeiro/cabeleireiro de que ele gostava muito mas que servia para pagar as contas para ser músico...”, explica. “Cada um é uma faceta dele ou um aspecto da história de Portugal a que ele também está ligado.”

Formado o puzzle, o resultado é um misto de performance, teatro, artes plásticas e um punhado de tecnologia. No último contentor estará alguém a dedilhar no YouTube a vida e obra de Variações - mais precisamente versões da “Canção do engate”, espelho multigéneros da versatilidade e transversalidade do cantor. “É o que existe dele, o que ficou”, explica Murraças.

Na web moram as possibilidades documentais, mas também o tributo, “as dedicatórias”. No fundo, o final do percurso desta espécie de “parque temático” Variações é a ideia de que é um doutor em portugalidade e um artista para todos.

Aos olhos de Murraças o “camaleão musical” está subdividido em oito parcelas, oito aspectos dele e de Portugal e da sua memória sensorial de Variações. Primeiro, a piscina de neve que simboliza as viagens, descalço, até à escola, a sua infância, nos arredores de Braga - e pede-se ao visitante que se divirta na piscina de bolinhas brancas. Depois, a viagem, a primeira, de Braga até Lisboa. Chegado a Lisboa, conheça-se a cidade “Experiência Variações”, passando directamente para a barbearia. Num dos espaços mais luminosos e mais plásticos, o actor Carlos António, que faz de Variações, vai estar num monólogo em “loop” a falar da importância do corte de cabelo: “Ele diz que é um criminoso, um guerreiro da beleza e que tem esse poder e essa missão”, lembra André Murraças. “Ele dizia que as tesouras pagavam a música.”

André Murraças gosta de festejar o artista. Leu a biografia “Entre Braga e Nova Iorque”, de Manuela Gonzaga, tirou dúvidas com a autora e depois esqueceu tudo - quis-se centrar na sua experiência de António Variações, no que mais admira nele. “O lado de inovação, progressista, mas com aquela coisa do que é ser português, do desleixo, do não cuidarmos de nós, do deixarmos para amanhã... esse fado.” E continua a questionar-se: “Ele morreu com o segundo álbum ainda por sair. Resta perguntar o que ainda vinha daí. É tão forte aquele início e o quanto ainda nos marca, que te perguntas: ‘Se este homem continuasse vivo, onde é que todos nós estávamos, musicalmente, culturalmente?’”

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