Aleixo ao Desleixo

a Depois de o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ter considerado improcedente a providência cautelar interposta pela Associação de Promoção Social do Aleixo, tudo indica que a cidade do Porto vai finalmente livrar-se do "bairro mais problemático da cidade do Porto".Apesar de não ter um especial apreço pelo Aleixo, não posso deixar de questionar esta solução encontrada pela Câmara Municipal do Porto (CMP). Ela evidencia, no mínimo, alguma ausência de sensibilidade social. Mas vamos por partes.
O modelo de urbanização do Aleixo, tão característico na década de 70 não deixa saudades. Reflexo da descentralização violenta das populações mais desfavorecidas, este modelo foi responsável pelo esvaziamento do centro das cidades e é sinónimo de um planeamento segregativo, catalisador das diferenças sociais e construtor de uma periferia sem identidade nem contexto. Foi contra este modelo de habitação que se reivindicou o "direito à cidade" nos anos que se seguiram à Revolução de Abril. Sob esse slogan construíram-se alternativas de habitação qualificadas e socialmente integradas (um exemplo é o Bairro da Bouça, projectado por Álvaro Siza em plena Rua da Boavista).
Ironicamente, a História repete-se. Com o crescimento da cidade do Porto, o bairro do Aleixo deixou de ser periférico para estar no centro de um desenvolvimento urbanístico de elevado valor imobiliário. Os seus moradores tornaram-se novamente indesejados por aqueles que chegaram muito tempo depois. Deveremos reconhecer que o realojamento dos moradores do Aleixo na Baixa da cidade, como propõe a autarquia, é um argumento que, em teoria, não só devolve o "direito à cidade" como, simultaneamente, tentará contrariar a tendência de desertificação do centro histórico. Restará saber se é isso que os moradores do Aleixo verdadeiramente ambicionam. A julgar pela acção da APSP no Tribunal, aparentemente não.
Hoje, o Aleixo já é "cidade". Passados mais de 30 anos de existência, não só conquistou centralidade como também já o local de origem de novas gerações. O Aleixo tem uma identidade própria e, mesmo as imagens de graffiti que a CMP usa no seu sítio da Internet para denegrir a imagem do bairro, apenas enfatizam esse mesmo sentido de pertença. Não estou com isto a tentar branquear a realidade de um bairro onde eu pessoalmente dispensaria morar. Estou a defender que o imprevisível assédio das novas construções vizinhas poderão representar um passo importante para a diluição de uma realidade segregada, mas que a proposta da CMP parece querer dizer: estes terrenos são demasiados valiosos para serem habitados por um gang de toxicodependentes! Sabemos que a maioria dos seus moradores nada tem que ver com o consumo ou tráfico de estupefacientes e sabemos que demolir o Aleixo não conseguirá erradicar o problema da droga.
Por isso sou contra a demolição das torres do Aleixo. Defendo (como a arquitecta Ana Lima, PÚBLICO, 5/12/07) uma requalificação do bairro, que envolva a participação dos moradores e o seu direito de pertença, consciente que, nem o urbanismo, nem a arquitectura resolverão um problema social vasto e complexo.
Rui Rio já deveria saber disto quando tentou limpar os "arrumadores" das ruas do Porto. Passados uns meses, voltaram e pouco interessa a desculpa da autarquia ou a culpa do Estado, estes são problemas complexos que exigem respostas complexas. Rui Rio aposta no interesse do investimento privado no terreno e na deslocação dos moradores, vangloriando-se da ausência de encargos para a autarquia. Dizer que todos ficam a ganhar é demasiado simplista.
Deveria ouvir Laborinho Lúcio: "A pouco e pouco com a complexidade como característica positiva das sociedades modernas, é possível afirmar um mundo intermédio, de onde resulta, por exemplo, o direito à diferença. É aqui que nasce um espaço alargado de integração social e convivência entre o legal e o ilegal, permitindo uma política de compreensão e integração da complexidade."
Ouçam-se os moradores, dispense-se os tribunais. A cidade merece ser construída de forma democrática e participada.
Arquitecto, Prof. Universidade
do Minho

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