Na Noruega a arquitectura está nos detalhes

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Há detalhes significativos: em 1997, o Partido do Centro, de Anne Enger, ficou em segundo lugar nas eleições norueguesas e integrou a coligação governamental. Enger podia ter escolhido praticamente qualquer pasta no Governo. Escolheu a da Cultura.

O que é que isto tem a ver com a exposição de Arquitectura Norueguesa Contemporânea 2000-2005, que está actualmente na Faculdade de Arquitectura de Lisboa? Tudo. Enger foi uma das mais entusiásticas defensoras da construção de uma ópera em Oslo - e hoje, o edifício projectado pelo atelier Snøhetta e vencedor do Prémio Mies van der Rohe, tornou-se um dos principais símbolos da cidade.

Quando visitamos Oslo vamos reparando noutros "detalhes": por exemplo, que o Museu Nacional se chama de Arte, Arquitectura e Design. Que a Escola de Arquitectura e Design de Oslo tem condições magníficas, com enormes oficinas equipadas para fazer maquetes em diferentes tipos de material. Que existe uma instituição chamada Norskform, criada para incentivar o debate e estabelecer pontes nas áreas do design, arquitectura e planeamento urbano. E que esta tem um serviço educativo com a missão de "abrir caminho para uma aprendizagem da arquitectura e design, através da experiência directa".

E depois disso começamos a não nos surpreender quando vemos grupos de escolas com crianças entusiasmadas a visitar o edifício da ópera ou a exposição sobre os 20 anos dos Snøhetta. Ou quando nos apresentam o projecto (no valor de cem milhões de euros) para uma série de intervenções arquitectónicas, desde miradouros a edifícios de apoio a 18 estradas turísticas, pelos sítios mais bonitos do país.

Mas os Snøhetta - autores também da Biblioteca de Alexandria, no Cairo, e com um ambicioso projecto em curso para uma nova cidade no deserto nos Emirados Árabes Unidos - não são o único atelier de arquitectura da Noruega. E é isso que a exposição em Lisboa, sobretudo feita de fotografias, quer mostrar.

Gelo e escuridão

A arquitectura norueguesa parte de "uma grande preocupação em observar o local" e de uma "experiência de construir muito próximo da natureza", explica Børre Skodvin, responsável pelo Instituto de Arquitectura da Escola de Arquitectura de Oslo. Ele próprio é autor (com Jan Jensen) de um dos projectos da exposição, uma igreja nos arredores de Oslo, com a parte de baixo das paredes em vidro e a parte superior feita de lâminas de pedra colocadas de forma incerta, deixando passar pontos de luz. Dentro da igreja os arquitectos optaram por deixar no local as grandes pedras que rompem do chão como se estivessem a invadir o edifício.

Mas se aqui a relação com a natureza era relativamente pacífica, há exemplos de situações mais extremas. Outro dos edifícios incluídos na exposição é um projecto dos arquitectos Jarmund/Vigsnaes para um centro universitário em Svalbard, uma região onde há três meses por ano de completa escuridão - uma fotografia mostra em primeiro plano veados deitados na neve, ao longe uma montanha também coberta de neve, e entre uns e a outra um edifício cor-de-fogo.

"Num sítio assim tem que se reagir à natureza, porque ela é muito forte", afirma Anne Marit Lunde, curadora do Museu Nacional. Num terreno gelado, e onde há muitas tempestades, o edifício teve que ser construído sobre pilares, de forma a que o vento possa varrer a neve por baixo dele. O exterior é forrado a folha de cobre, um material que se pode trabalhar bem, mesmo a temperaturas muito baixas. E o interior é em madeira, com a qual os arquitectos criam uma espécie de caminhos como os que vão sendo escavados nas minas (que existem em grande quantidade na região).

Arquitectura da madeira

A madeira é, aqui, um dos elementos mais constantes nos edifícios, a par do cimento, do aço e do vidro (o mármore, base da construção do edifício da ópera, é um material bastante menos utilizado). Todos eles foram usados pelo "pai" e referência maior da arquitectura norueguesa, Sverre Fehn (1924-2009), vencedor do Priztker em 1997, e continuam a ser usados pela nova geração, que terminou os estudos nos anos 90 e que tem beneficiado de um "boom" da construção a partir de 1995.

Actualmente, Oslo, sobretudo a zona em torno da ópera, está transformada num estaleiro, com uma série de projectos novos em vias de serem construídos. Isto não significa, no entanto, que a crise não tenha chegado aqui. O petróleo, descoberto no final dos anos 60, é um seguro de vida para a Noruega mas não a torna imune, e ateliers como os de Jensen e Skodvin e os Snøhetta já se viram obrigados a reduzir o número de funcionários. Mas há algo de mais estrutural no papel dos arquitectos na Escandinávia, explica Karl Otto Ellefsen, director da Escola de Arquitectura, num texto incluído no catálogo: "[...] uma proporção excepcionalmente grande do que é construído [...] foi, de uma forma ou outra, pensado por arquitectos." E desde o período do pós-guerra, quando foi necessário reconstruir o país, que "os arquitectos puderam posicionar a arquitectura como uma peça necessária para pôr a política em prática".

Afinal, se calhar os detalhes não são detalhes.

O Ípsilon viajou a convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Noruega

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