Torne-se perito

Como Buttiglione ofereceu ao PE a oportunidade para humilhar Durão

Opiniões de um comissário proposto por Durão caíram mal no PE. No final de um duro braço-de-ferro, o novo líder da Comissão teve de o deixar cair

A Foi uma crise anunciada: graças ao reforço dos seus poderes de "investidura" da Comissão Europeia, o Parlamento Europeu (PE) nunca escondeu que o processo de aprovação da equipa de Durão Barroso seria tudo menos uma formalidade, reivindicando o direito de censurar um ou outro comissário considerado inadequado. Rocco Buttiglione, o comissário escolhido pela Itália, forneceu-lhe a oportunidade.A nomeação de Barroso pelos líderes da União Europeia em Junho de 2004, considerado uma "segunda escolha" depois do veto, sobretudo britânico, à preferência da França e Alemanha, já tinha caído mal em grande parte do Parlamento. Por maioria de razão porque resultou da imposição do PPE (conservador), o maior grupo parlamentar, que exigiu antecipar as disposições do então projecto de Constituição Europeia a propósito da ligação entre o resultado das eleições europeias e escolha do presidente da Comissão.
Graças à sua enorme habilidade de comunicador e de adaptação às preocupações expressas pelos principais grupos parlamentares, o ex-primeiro-
-ministro passou o primeiro teste do PE, que escrutinou o seu passado a pente fino, desde a militância maoísta à fotografia dos Açores com José Maria Aznar e George W. Bush, associada à invasão do Iraque, passando pela gestão da crise económica em Portugal.

A hora de RoccoDepois foi a vez dos vinte e seis candidatos a comissários a serem submetidos a audições nas diferentes comissões parlamentares, um exercício do qual cinco ou seis saíram com menções negativas por incompetência.
Rocco Butiglione, a quem Barroso atribuiu o pelouro da Justiça, Liberdade e Segurança foi, no entanto, o único a ser rejeitado. Não por falta de capacidade política ou técnica - muito pelo contrário -, mas pelas suas convicções morais, expressas em duas frases fatais: "Posso pensar que a homossexualidade é um pecado, mas isso não tem qualquer consequência a menos que seja crime", disse uma vez; numa outra declaração, afirmara que "a minha concepção do casamento corresponde à etimologia da palavra latina 'matrimónio', que designa uma instituição criada para permitir às mulheres terem filhos sob protecção masculina".
Estas convicções foram consideradas pelos deputados da respectiva comissão parlamentar totalmente incompatíveis com um cargo de cujo detentor é esperada uma acção pro-activa contra a discriminação, incluindo de natureza sexual.

Durão sob fogoDe todos os lados choveram críticas a Durão Barroso por ter atribuído um pelouro tão sensível a Buttiglione, amigo de João Paulo II e membro do movimento Comunhão e Libertação. Mas o seu principal erro terá sido não ter avaliado devidamente o estado de espírito do PE nem, sobretudo, antecipado a tempestade que se aproximava a passos largos: durante vários dias, contra tudo e contra todos, Durão Barroso manteve a confiança em Rocco Buttiglione e recusou-se alterar a distribuição dos pelouros.
Só na madrugada do dia previsto para o voto de investidura da Comissão, a 27 de Outubro, é que Barroso terá percebido que se persistisse na sua estratégia sofreria uma derrota parlamentar monumental. O que o levou, de manhã e imediatamente antes da votação, a intervir para anunciar a suspensão da investidura e pedir mais tempo para consultas.
Três semanas depois, a 18 de Novembro, Barroso regressou ao PE com uma equipa remodelada: Rocco Buttiglione e Ingrida Udre, da Letónia, foram substituídos por Franco Frattini e e Andris Piebalgs, enquanto que Laszlo Kovacs (cujo substituição foi recusada pelo Governo húngaro) sofreu uma alteração de pelouro.
O braço-de-ferro marcou de forma muito negativa o início de mandato da nova Comissão Europeia, que, além de ter tomado posse com três semanas de atraso, demorou longos meses a libertar-se do estigma desta primeira derrota.
Ao invés, a vitória não fez mais do que reforçar a determinação do Parlamento Europeu para exercer a fundo os seus poderes no processo de investidura da nova Comissão que entrará em funções até ao fim do ano, muito provavelmente sob nova presidência de Durão Barroso. Desta vez, no entanto, a firmeza parlamentar já não se dirigirá tanto aos comissários individuais, mas terá boas probabilidades de visar o próprio presidente.
As opiniões de Buttiglione sobre os homossexuais e o matrimónio geraram um problema que causou danos de imagem a Durão

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