Andy Warhol teve um golpe de génio: desmontou o mistério da arte, dessacralizou-a. Krystian Lupa, encenador de "Factory 2" - espectáculo de oito horas sobre esse atelier em Nova Iorque onde tudo se passava nos anos 1960 - repete esta ideia numa conversa em Breslau, onde lhe foi entregue no início de Abril o Prémio de Teatro Europeu e apresentado "Factory 2". Andy Warhol continua inatingível: um mistério que nenhum espectáculo, nenhuma biografia consegue desvendar, defende Lupa, e a existir alguma teoria, essa seria a sua. No fundo, "Andy Warhol não foi o artista que gostávamos que ele fosse".
Seja o que for que Krystian Lupa gostasse que Andy fosse, isso resultou de um mergulho de mais de um ano no universo de Andy Warhol e das estrelas e proto-estrelas que gravitaram à sua volta. Não se sabe se essa foi a vontade do encenador, mas em "Factory 2" Andy Warhol (além da imagem cliché que temos dele, o exibicionista) é uma espécie de buraco negro de solidão a atrair pessoas iguais a si, alguém que vampiriza mas que protege ao mesmo tempo. (Na Polónia falou-se sobre o vampirismo e exibicionismo de Warhol como um auto-retrato de Lupa, mas isso é toda uma outra história).
"Factory 2" reproduz tal e qual o estúdio original onde Warhol estava entre 1962 e 1968. Mas Lupa, 66 anos, nunca quis fazer um espectáculo documental. Passeiam-se por lá Edie Sedgwick, Utra Violet, Brigid Berlin, Paul Morrissey, Ondin, Viva, Andrea Feldman, Mary Woronov, Holly Woodlawn, Freddie Herko, Eric Emerson, Jackie Curtis e Candy Darling, Nico... Que não são completamente Edie Sedgwick, Utra Violet, Brigid Berlin, Paul Morrissey..., são também um pouco dos actores que os interpretam.
Lupa seguiu a regra de Warhol nos seus filmes, a improvisação - "ele achava que da improvisação nasceriam novas realidades, novos seres, novos qualquer coisa". E passam vários filmes no palco, alguns originais, como "Blow Job" (alguém diz que o filme é chato e Andy diz: "Adoro coisas aborrecidas"), outros encenados com os actores de Lupa, como os "screen tests" a Nico.
Foram para os ensaios sem textos, estiveram mais de um mês a ver filmes de Andy com a ideia de pôr em cena aquilo que interessava ao encenador, "o sonho da Factory", onde todos eram "superstars". O sonho da Factory que é, também, de alguma forma, "o nosso sonho da América" - e ali há o culto de uma figura central, Andy, claro. Regras básicas: testes de câmara aos actores, inspirados nos filmes de Warhol e focados na ideia do "eu" e do exibicionismo, como explicou a dramaturga do espectáculo Iga Gancarczyk numa conversa em Breslau. "Na nossa aventura com o Andy alimentámo-nos vampiristicamente para fazer uma reencarnação e não uma recriação. Porque no fundo isto é qualquer coisa que faz viver de novo algo que está morto."
Na Polónia, como em Paris ou Londres, o espírito parece ser este: ressuscitar Andy Warhol.