Amigo de Warhol, o fotógrafo Marcus Leatherdale, não conheceu a primeira morada da Factory, de 1963, mas conheceu as duas restantes, tendo fotografado a Nova Iorque mundana do final dos anos 70 e dos 80's - acabou, aliás, de lançar o livro "Hidden Identities" e na capa vemos Warhol, coisa rara, encobrindo a cara.
Nascido em Montreal, Canadá, chegou a Nova Iorque em 1978. Há cinco anos vive parte do ano em Lisboa, quando não se encontra a fotografar tribos na Índia (a 27 de Maio inaugura, aliás, a exposição "Bharat-India", na Galeria AR-PAB, em Lisboa).
Aparentemente, não existe nada que ligue a Nova Iorque dos anos 80 e a Índia, mas Marcus tem outra visão. "Na Índia fotografo um mundo que se vai extinguir, por causa da modernização. Em N.Y., sem o perceber, também fotografei um mundo em extinção. Para algumas pessoas parece que a única coisa que fazíamos era andar pelos clubes, como o Studio 54. Saíamos, mas durante o dia criávamos. Existia um elemento criativo que ligava imensas pessoas e isso foi muito excitante."
Quando chegou a Nova Iorque tinha 25 anos, e uma das primeiras pessoas que conheceu foi Warhol. "Tínhamos amigos comuns e naquela altura as pessoas eram acessíveis", recorda. "Eu estava com [o fotógrafo] Robert Mapplethorpe quando o conheci na Factory. Virou-se para mim [faz uma voz afectada imitando o tom de voz de Warhol] e pronunciou: 'ei! Porreiro! Um tipo novo na cidade!' Era simples, mas quando falava fazia-nos sentir que éramos as pessoas mais importantes do mundo."
Curioso por tudo e por todos, mas preservando a sua vida privada, tímido e complexo, impulsionador de um espectáculo permanente onde a Factory funcionava como cena, é difícil saber quem foi exactamente Warhol.
Para Marcus "era um intuitivo, gostava de ajudar, foi o primeiro a levar-me a sério como artista" evoca. "Sabia sempre o que estava a emergir", afirma, recordando o apadrinhamento de artistas como Basquiat ou Keith Haring.
Na festa do seu 30º aniversário juntou Warhol e Madonna. "Era incrivelmente tímida" lembra, "ninguém a conhecia, ainda não se tinha lançado, mas percebia-se que iria ser grande, embora não imaginasse que iria ser tão grande. Lembro-me de alguém perguntar 'quem é ela?' e de eu responder, ao pé de Andy, que iria ser grande, e de ele mostrar de imediato muita curiosidade. Naquela altura, ela sentia-se intimidada com aquela gente toda."
Numa polémica entrevista à "New Yorker", no ano passado, Madonna afirmou que a "sua" cidade estava moribunda. Marcus sente o mesmo. "A morte de Andy foi o princípio do fim. Depois veio a sida. Uma vez a Debbie Harry disse-me que a cidade se tinha tornado demasiado 'limpa' e compreendo-a. É necessária 'merda' para fazer as coisas crescer. De repente, percebemos que já não havia fertilizador. As rendas aumentaram. A boémia desapareceu. Depois de Andy, ninguém sabia onde ir. Quando estava numa festa, sabíamos que era ali. Ele era o barómetro. Andy era N.Y. Quando morreu, parte de N.Y. morreu também."
A última vez que Marcus viu Warhol foi poucos meses antes da sua morte. Partilharam um táxi, saídos de uma festa em casa de Mick Jagger e Jerry Hall, e a conversa que tiveram foi premonitória. "Falámos sobre medicina Ocidental e ele disse que não confiava nela. Às tantas afirmou que sabia que se fosse para um hospital não sairia de lá e foi verdade."
Em 1987 foi operado à vesícula. Parecia ter corrido bem. Morreu no dia seguinte.