Associação de inspectores do Trabalho denuncia "falsos recibos verdes" na ACT
O inspector-geral do Trabalho nega a ilegalidade da situação, mas à associação já anunciou a abertura de um concurso para técnicos superiores.
Ao todo são cerca de 40, mas já foram mais, reconheceu ao PÚBLICO o inspector-geral do Trabalho, Paulo Morgado de Carvalho. Mas o caso ganha outra relevância quando o novo Código do Trabalho (em vigor desde 2009) agravou a pena para o uso de "falsos recibos verdes" com contra-ordenação muito grave e sanções acessórias; a ACT foi reforçada com 150 novos inspectores para combater, designadamente, esse fenómeno de precariedade e o próprio inspector-
-geral declarou aos deputados ser favorável à criminalização de quem abuse dessa forma de contratação para substituir trabalhadores permanentes.
Qual é a situação? Segundo um dos contratados citados pelo jornal Diário de Notícias, essas pessoas cumprem horário das 9h às 17h nas instalações da ACT, estão dependentes da hierarquia da instituição e os seus contratos são renovados anualmente. A presidente da APIT confirma-o . "Há quem faça umas horas, mas há locais onde fazem horários completos. Ganham menos e cumprem funções normais", declarou ao PÚBLICO Maria Armanda Nunes de Carvalho. Já o inspector-geral do Trabalho, garante que os juristas têm as suas actividades como advogados ou em notários, e nas horas disponíveis, ao final do dia, vêm à ACT despachar os processos dos inspectores do Trabalho. Foi-lhes perguntado, aliás, se queriam estar no quadro e eles responderam que lhes era conveniente estar assim. Na sua opinião, trata-se de uma mera contratação de trabalho técnico.
O recurso a este expediente nasce, porém, de uma lacuna em pessoal técnico que o Ministério das Finanças se tem recusado a prover.
Segundo a presidente da APIT, desde que entrou para a ACT, há 12 anos, nunca houve um concurso. E isso tem efeitos. "Há muitos processos que prescrevem por falta de técnicos". Não sabe precisar quantos, mas são centenas. Em Lisboa, por exemplo, há apenas um técnico e dois advogados contratados. E não estão em permanência. Essas três pessoas devem dar supostamente "vazão" ao trabalho de 30 inspectores. "É trabalho deitado à rua."
Questionámos o Ministério das Finanças se ratificava o concurso anunciado à APIT pelo inspector-geral, mas não obteve resposta até ao fecho da edição.
À sombra de 2003Mas a situação dos falsos recibos verdes releva, segundo o inspector-geral, de um protocolo assinado em Abril de 2003 entre os dirigentes do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), o então Instituto para o Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (IDICT), que veio a tornar-se em ACT, e a Ordem dos Advogados.
Mas esse protocolo não previa propriamente o fornecimento de advogados para o normal expediente da ACT. Era antes um plano de formação profissional de "advogados com dificuldades de inserção no mercado de trabalho". Recebiam do IDICT uma bolsa de 200 euros mensais e o IEFP pagava o salário mínimo. Em nenhuma parte do protocolo se mencionava que iriam desenvolver funções na Inspecção do Trabalho. Apenas se referia que receberiam formação nas áreas de contra-ordenações e que essa experiência seria tida em conta nas futuras contratações do IDICT.
Mas o protocolo rapidamente evoluiu. Segundo a presidente da APIT, alguns dos advogados recrutados inicialmente ainda estão ao serviço da ACT.
Este tipo de contratação de advogados suscita dúvidas a peritos em direito laboral, como Pedro Furtado Martins da firma Sérvulo & Associados ou Susana Afonso Costa, da Simmons & Simmons Rebelo de Sousa.
Em poucas palavras, os dois juristas concordam que não se trata de uma situação impossível do ponto de vista legal, mas que pode tratar-se de um "caso fronteira". No exemplo da ACT, sentem necessidade de conhecer melhor a relação contratual no dia-a-dia, para aferir se existe uma verdadeira autonomia do trabalho técnico. Mas mais estranho para eles é o potencial conflito de interesses (reguladas pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, como lembra Susana Afonso Costa) que existe se os juristas contratados são advogados de entidades objecto de contra-ordenação. O advogado deve recusar se a empresa for sua cliente, mas quem controla essa situação?