Star Trek, um filme para trekkies e não-trekkies
Star Trek chega hoje às salas portuguesas. É um admirável mundo novo para a saga e uma injecção de novidades que pode gerar polémica junto dos fãs. O realizador J.J, Abrams e o seu elenco falam ao P2 sobre o que é fazer um Trek no século XXIII para o público do século XXI
a Já se diz que este filme conseguiu o aparentemente impossível: tornar o imaginário Star Trek um pouco menos nerd. Star Trek, realizado por J.J. Abrams, estreia-se hoje em Portugal em 65 salas e simboliza, mais do que um retomar de uma saga, uma reformulação de um imaginário. Tem novos actores em velhos papéis, tem novidades para o cânone Trek e tem no cockpit um grupo de criativos (re)conhecidos no universo dos blockbusters e na criação de cultos televisivos. E também tem outra coisa: respeito e medo da reacção dos fãs. Aqueles que há 43 anos, cinco séries e dez filmes militam por este imaginário optimista, baseado na ideia de uma espécie de Nações Unidas galácticas e do trabalho colectivo em prol do conhecimento. Tudo começou com Gene Roddenberry em 1966 e agora tudo recomeça com J.J. Abrams (Missão: Impossível III), Alex Kurtzman e Roberto Orci (Transformers) e Damon Lindelof (Perdidos), a fazer um Star Trek para a era Twitter, para os tempos de Obama.
Estamos no século XXIII e Kirk (Chris Pine, cara quase desconhecida do grande público) é um jovem rebelde, órfão de pai e sem perspectiva de carreira. No planeta Vulcano, Spock (Zachary Quinto, o Sylar de Heróis) cresce entre a herança materna (Winona Ryder) humana e a presença racional do pai vulcano. A dupla encontra-se mais tarde na formação da futura tripulação da mítica Enterprise, já com Nyota Uhura (Zoe Saldana), o médico Bones (Karl Urban), o russo Chekov (Anton Yelchin) e o tenente Sulu (John Cho) a bordo. E mais para a frente há Scottie, aquele a quem todos pediam Beam me up, agora interpretado por Simon Pegg.
Esta é uma história de origens, que recua ao tempo pré-série original de 1966 e em que a Paramount investiu cerca de 112 milhões de euros. Em Paris, num encontro com a imprensa, o elenco e o realizador frisaram que este filme é para todos - para trekkies e para não trekkies.
Por isso mesmo, contém referências ou elementos míticos do cânone Star Trek, como a explicação de como James T. Kirk conseguiu passar a prova do simulador Kobayashi Maru. "São coisas que sabemos há anos mas que nunca vimos", lembra J.J. Abrams. Com este filme que rejuvenesce o elenco e acrescenta novas histórias à mitologia, "queremos dar uma entrada às pessoas que se estão a borrifar para o Star Trek e queremos continuar a recompensar as pessoas que conhecem o Star Trek", diz.
Eis que entra em cena Leonard Nimoy, retirado da reforma para as filmagens de Star Trek e que surge na intriga graças a um artifício narrativo que muitos identificarão como típico em J.J. Abrams e Lindelof. Mas William Shatner, o mítico Kirk, não está presente. Pine e Quinto lidaram com essa ausência e presença da mesma forma: com respeito, mas com a sua dose pessoal de inovação.
"Spock é uma personagem com características muito específicas, independentes do actor. O Leonard criou-a e definiu-a, mas a personagem em si requer uma certa economia de movimentos, quietude e perspectiva. E foi óptimo ter o Leonard lá para observar o impacto que ela teve na vida dele e vice-versa". Já com Kirk, a loiça é outra. E tende a partir-se. Shatner (que tal como Nimoy twitta que se farta) já manifestou a sua tristeza por não estar neste Trek. "Gostaria de o ter conhecido. Escrevi-lhe uma carta logo no início para me apresentar e para lhe dizer quem era este miúdo - e que não estava a tentar apropriar-se deste papel, mas sim a dar vida a uma parte muito especial do seu percurso". Ele respondeu à carta. E mais não sabemos.
Aventura e diversão
Na web, a expectativa em torno do novo filme é palpável. Analisam-se todas as imagens e questiona-se um realizador que nunca foi fã da saga apesar de ser "uma dessas pessoas que adora todo o tipo de cultura pop", analisa David Lavery, professor de Inglês e Televisão na Middle Tennessee State University, em conversa com o P2.
É que este Star Trek é o fim do futuro como o conhecemos. O filme, que tem sido muito bem recebido pela crítica, troca as voltas a algumas verdades adquiridas sobre as personagens, mas é sobretudo (e talvez pela primeira vez) um Trek de aventura (espacial), de comédia e diversão para as massas. "Para mim, é uma espécie de reencontro entre o fundamental da série, Os Eleitos (de Philip Kaufman, 1983) e a trilogia original de Guerra das Estrelas. É um filme de ficção científica moderno", diz o produtor Jeffrey Chernov.
"O J.J. não mexeu com muita coisa", desmistifica Zoe Saldana em Paris. Ainda assim, a actriz responde sem hesitar que "sim", tem medo de desapontar os fãs. "Porque os fãs são os responsáveis por manter esta herança viva por mais de 40 anos". Isto apesar de saber que "Star Trek estava a definhar".
Talvez Lev Grossman, colunista da revista Time, resuma melhor o que vai na alma dos fãs perante este reboot: "Star Trek sempre foi, no âmago, um franchise propriedade dos fãs". Mas sabe que agora, aconteça o que acontecer, "já não haverá aquela sensação de intimidade que dizia aos fãs que o que estavam a ver era secretamente deles. Isso está tudo no passado. Agora é o futuro".
Esse futuro tem o toque de Abrams e as influências supracitadas, além da "tecnologia e recursos" que faltavam aos anteriores, comenta Zachary Quinto. Mas o que se mantém é a ideologia seminal Trek, a tal visão de um futuro potencialmente radioso. "Star Trek está profundamente envolvido na ideia da busca do melhor que há em nós", explica, por e-mail, Rhonda Wilcox, docente universitária e autora do capítulo sobre Star Trek no livro The Essential Cult TV Reader, prestes a ser editado. "Reconhece que os humanos (verdes, vermelhos, negros ou brancos) têm falhas, mas que podem conseguir algo mais. Soa-me a um voto em Obama. E penso que continua a ser um mito para os nossos tempos".
E o que pensará o espectador do século XXI do novo Trek? Os envolvidos têm contrato para três filmes e o segundo já tem guião planeado, embora se mantenham cautelosos. David Lavery, autor de um livro sobre Perdidos, lembra que Abrams "tem muito em jogo" neste fim-de-semana de estreia. "Se isto fosse um desastre, ele estaria possivelmente a olhar para o final da sua carreira no cinema", dado que Missão: Impossível III não foi propriamente um triunfo e que tentou, sem êxito, ser o desfibrilador de Super-Homem antes de Bryan Singer fazer o seu filme em 2006. "Talvez esta seja a herança de Abrams, talvez ele seja um campeão dos reboots".
J.J. Abrams admite apenas o entusiasmo de prosseguir neste novo Trek das estrelas. "Estaria a mentir se não dissesse que estamos excitados com o que pode acontecer a seguir. E perante a ideia de ver estas personagens continuar a viver, um estúdio não pensaria duas vezes: é ter um franchise lucrativo. Mas essa é a última razão pela qual estamos a fazer isto".
O PÚBLICO viajou a convite da Lusomundo