Entrevista com Stephenie Meyer: “Eu queria escrever sobre um amor perfeito”
Acaba de sair o DVD de Crepúsculo, o filme que adapta o primeiro volume da saga Luz e Escuridão, em Junho chega às livrarias portuguesas Amanhecer, o quarto volume da saga. A escritora norte-americana Stephenie Meyer deu uma entrevista ao Ípsilon por e-mail.
Stephenie Meyer tem 35 anos, cresceu em Phoenix, no Arizona e é considerada a nova J. K. Rowling. Doutorou-se em Literatura Inglesa na Brigham Young University em Provo, Utah, uma universidade que pertence à Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Em Junho de 2003 sonhou com duas personagens - a humana Bella e o vampiro Edward - e transformou-os nos heróis da saga “Luz e Escuridão” que já vendeu 45 milhões de livros em todo o mundo e encanta adolescentes, principalmente raparigas: “Crepúsculo” ("Twilight”, já adaptado ao cinema), “Lua Nova” ("New Moon"), “Eclipse” ("Eclipse") e “Amanhecer” ("Breaking Down") que irá para as livrarias portuguesas a 9 de Junho (numa edição Gailivro). Entretanto publicou “Nómada”, um romance para adultos e está agora a trabalhar no próximo livro.
Por email deu ao Ípsilon a uma única entrevista para Portugal. Algumas das perguntas enviadas foram escolhidas entre aquelas que fãs portugueses gostavam de lhe colocar. Mas Meyer evitou algumas questões - sobre a tão polémica abstinência sexual a que se sujeitam os jovens nos seus livros, sobre a imagem que os media transmitem dela e temas relacionados com a sua religião. Mas quando se trata de defender as suas personagens fá-lo com unhas e dentes.
Escreveu “Crepúsculo”, o seu primeiro livro, porque sonhou com um vampiro, não foi?
"Crepúsculo” foi inspirado por um sonho muito vívido que tive em Junho de 2003, que está transcrito no capítulo XIII do livro - é a cena no prado [quando Bella e o vampiro Edward conversam]. Eu estava tão envolvida naquele sonho que senti a compulsão de o preservar, e foi isso que fez com que começasse a escrever. Quando acabei de registar os acontecimentos desse sonho, quis saber o que ia acontecer àquelas duas intrigantes personagens, por isso continuei a escrever.
Ainda lhe acontece ter sonhos com outros personagens? Isso faz parte do seu processo criativo?
Nunca mais tive um sonho como aquele, mas também não precisei. O que acontece é que quando tenho personagens interessantes com personalidades fortes, as histórias tendem a escrever-se sozinhas. À medida que explorava o que iria acontecer a Bella e a Edward, as suas famílias e os seus amigos ganhavam vida e isso trouxe-me mais personagens com outros conflitos interessantes para resolver. As personagens realmente ganham vida própria; o problema não é arranjar mais histórias, o problema está em moldá-las numa determinada direcção.
Também já disse várias vezes que a música tem um papel fundamental quando está escrever.
É uma ferramenta essencial para mim. Procuro músicas que se encaixem naquilo que estou a escrever. Ajudam-me a não me distrair e a conseguir atingir o tom emocional certo. A minha banda favorita - enquanto escrevo -, são os Muse. Algumas cenas dos meus livros não existiriam se não existissem algumas das canções dos Muse.
Foram-lhe sugeridas muitas modificações no manuscrito que acabou por vir a ser publicado como “Crepúsculo"?
Tanto o meu agente como o meu editor me sugeriram centenas de modificações no meu manuscrito original. Eu era uma escritora inexperiente e tinha muito que aprender. Sinto que a minha escrita melhorou muito nos últimos cinco anos, e espero que continue sempre a melhorar de livro para livro.
O título original do manuscrito não era “Crepúsculo/Twilight”, pois não?
Eu tinha-lhe chamado “Forks” - gostei da ideia de brincar com o nome da cidade onde tudo se passava e que sugerisse uma escolha, a “fork in the road” (uma bifurcação na estrada) - mas o meu agente rapidamente me informou que esse título tinha que ser mudado. “Twilight” acabou de ser escolhido a partir de uma lista de títulos que fiz em “brainstorming”. Não era o título perfeito, mas pareceu-me dar a atmosfera certa.
Uma das particularidades de “Crepúsculo” é a história ser contada do ponto de vista de Bella, a heroína feminina.
Na altura pareceu-me ser a única escolha possível. Eu era uma escritora completamente inexperiente e a história de Bella era aquela com a qual eu tinha alguma familiaridade. Sou uma mulher, sou humana - estes factos deram-me o ponto de partida. Podia colocar-me na sua posição.
Acabou, mais tarde, por sentir a necessidade de escrever do ponto de vista de Edward, o vampiro, em “Midnight Sun”.
Enquanto estava a escrever os três primeiros livros da saga, ouvia constantemente a voz de Edward na minha cabeça. Eu sabia sempre aquilo que ele estava a pensar, quais eram as suas opiniões, os significados ocultos dos seus comentários enigmáticos. Comecei a sentir uma vontade de mostrar o que se estava a passar com ele. Sabia, por causa de ler os fóruns ‘online’, que habitualmente as pessoas interpretam mal as suas motivações. Eu queria mostrar o verdadeiro Edward.
Apesar disso estava bastante hesitante porque não tinha experiência nenhuma do que é ser um homem. Não tinha a certeza de ser capaz de o fazer.
Não era parte de ser um vampiro que me incomodava, porque os vampiros são imaginários, nenhum vampiro real me iria acusar de ter feito tudo mal. Os homens são reais. Preocupava-me estar a assumir a voz de um homem e estar a fazê-lo mal. De qualquer maneira, já conhecia Edward tão bem que acabei por achar muito natural estar a escrever através da sua voz, da sua perspectiva. Originalmente só estava a pensar escrever o primeiro capítulo de “Crepúsculo” através do seu ponto de vista. Eu sabia que o primeiro dia de Bella no liceu tinha sido muito mais complicado e cheio de acontecimentos para ele do que para ela - muito mais difícil e muito mais excitante. Fiquei tão entusiasmada a escrevê-lo que acabei por não parar no final daquele capítulo.
Está nos seus planos o regresso a esse manuscrito, “Midnight Sun”, que ficou incompleto quando foi parar à Internet sem o seu consentimento?
Por enquanto não tenho qualquer plano para continuar “Midnight Sun”. E se o vier a fazer, a história contada do ponto de vista de Edward só se cingirá aos acontecimentos que se passam em “Crepúsculo”.
Acabou por disponibilizá-lo no seu “site”. Este episódio serviu para os seus fãs perceberem melhor o que são os direitos de autor e a importância do controlo artístico?
Não posso responder a isto; não sei mesmo a resposta.
Jacob Black, o amigo de Bella e lobisomem, é uma das personagens mais fortes dos livros. Está a pensar dar-nos o seu ponto de vista?
Jacob é outra personagem que conheço mesmo bem, cujos pensamentos eu ouvia sempre que estava a escrever os diálogos de Bella nas conversas. Escrever do ponto de vista de Jacob foi, acho eu, inevitável. Uma parte de “Breaking Down” ["Amanhecer”, que irá ser publicado em Portugal a 9 de Junho] é narrado por Jacob e foi gratificante escrever. Espero que dê aos leitores alguma ideia de como a sua cabeça é divertida e de como há uma boa pessoa por baixo de toda aquela brusquidão.
Há quem ache que “Eclipse” sacrificou a coerência da personalidade das suas personagens para prolongar a narrativa. Concorda?
Não podia discordar mais. Para mim “Eclipse” é uma celebração das personagens. Todos os capítulos tratam da psicologia destas personagens, do que elas são e o que isso significa para o seu eventual destino. Até as personagens secundárias, como Victoria, têm a sua personalidade e motivações exaustivamente exploradas. Quanto às três personagens principais, o carácter delas é mesmo o impulso da história. O que são e como lidam com os conflitos é a razão por que existe uma história.
Se pudesse mudaria alguma coisa nas personagens da saga?
Não, as personagens são a única coisa em que nunca mexeria. Se pudesse reescrever “Crepúsculo”, mudaria muitas palavras, algum modo de expressão, alguns dos acontecimentos secundários, mas as personagens são o que são. Quando no início comecei a editar “Crepúsculo” eu estava muito insegura, o que é natural em alguém que é um principiante. A única coisa em que me mantive firme com o meu editor foi quanto às minhas personagens. As suas personalidades eram tão evidentes e reais na minha cabeça.
No seu “site” comunicou aos fãs que tinha planos para “ficar completamente eremita durante este ano (ou década)”. Porque é que tomou esta decisão?
O meu plano era tirar um ano sabático, ficar em casa com os meus filhos e escrever. Viajei intensivamente pelos EUA e pela Europa nos últimos três anos e precisava de fazer uma pausa para trabalhar no meu próximo livro. Não consigo escrever quando ando em viagem a promover os livros. Infelizmente é mais fácil planear tirar um ano para nós, do que conseguir estar algum tempo afastada de todos os aspectos não relacionados com a escrita na vida de um escritor.
É uma escritora mundialmente famosa, a adaptação ao cinema de “Crepúsculo” trouxe ainda mais fãs para os seus livros, há quem diga que é a nova J.K. Rowling... Consegue escrever com toda esta atenção sobre si?
A atenção que está a ser dada aos meus livros, para mim, não é uma questão; quando escrevo, esqueço-me da minha própria vida e entro dentro da vida de outra pessoa. Tudo o que preciso para isso é de tempo, mas o tempo é aquilo que constantemente me falta.
Todo este sucesso mudou o ambiente em sua casa? Os seus filhos são fãs dos seus livros, dão-lhe conselhos para as suas histórias?
É verdade que foi necessária uma certa adaptação da minha família mas em geral as coisas continuam dentro da normalidade. Os meus filhos são fantásticos, crianças felizes. Não sei se são fãs típicos, a história da saga é algo com que eles cresceram. Acho que o meu filho mais novo vê isto mais como fazendo parte da história da nossa família do que como ficção. Eles não me dão conselhos sobre as histórias porque não costumo discutir o projecto em que estou a trabalhar com eles.
"O que faz com que os livros de Meyer sejam tão distintos é que eles são sobre o erotismo da abstinência. A sua tensão vem de prolongados actos humanos de autocontrolo. (...) Esse é o poder da saga ‘Luz e Escuridão': são limpos à superfície mas, mesmo abaixo, são absolutamente, deliciosamente obscenos”, escreveu a revista “Time”. Pode comentar esta opinião?
Não vou comentar opiniões de outros.
A sua personagem feminina da saga, Bella, faz as tarefas domésticas em casa do pai e está disposta a sacrificar tudo por um homem. O seu sonho é casar com Edward e são castos.
Não me parece justo descrever Bella dessa maneira; acho que tem que olhar para as circunstâncias e para o propósito das suas características para perceber o seu encanto. Quando se coloca na mesma frase a responsabilidade pelas “tarefas domésticas” e o “estar disposta a sacrificar tudo por um homem”, tudo soa terrivelmente mal e não faz justiça à personagem.
Uma parte importante da personalidade de Bella é que ela é toma conta dos outros - é o adulto da sua família. A sua aptidão para a culinária nasce dessa sua educação nada antiquada. Desde pequena, Bella teve que contar sempre consigo própria para satisfazer algumas das necessidades básicas - como cozinhar - porque ninguém o fazia por ela.
Para mim, cozinhar uma refeição não é alguma coisa que uma mulher faz (e em minha casa acontece exactamente o oposto), é alguma coisa que um adulto faz. Esta era a forma física que eu tinha de mostrar que Bella assumia o papel de um adulto em casa. (Ela e o pai, Charlie, acabam por partilhar as outras tarefas).
Estas qualidades de alguém que toma conta dos outros contrastam realmente com a sua situação romântica, com o seu romantismo. O seu eu interior é mais adulto do que a sua idade; quando ela se apaixona, é a primeira vez que ela realmente age e se sente como uma adolescente. Isso é estranho ao seu comportamento normal (que é um eco da experiência de Edward - ele não chegou a ser um adolescente, nem um nem o outro).
Como é que uma rapariga tão tradicional como a Bella apela tanto às jovens de hoje. Ela não é um pouco de outro tempo? Será esse o seu encanto?
A saga é uma fantasia. Toda a gente reconhece que os vampiros e os lobisomens são fantasia, nem toda a gente vê que o romance é igualmente fantástico. Eu não estava a escrever sobre o tradicional amor com falhas que todos temos à nossa volta - o tipo de amor que se desvanece, que não é correspondido, que é corrompido por motivações imperfeitas, etc, o amor humano trivial. Eu queria escrever sobre um amor perfeito, que não esmorece, que é completamente correspondido, que se baseia em motivações puras.
É verdade que a Bella “sacrificaria tudo pelo seu homem” mas isto não é um juízo sobre a sua feminilidade. Edward, por seu lado, também sacrificaria tudo pela sua mulher.
Há uma total igualdade na relação deles que a torna perfeita - que a torna numa fantasia. Nunca ninguém sugere que há algo de errado com o total compromisso de Edward para com Bella e tenho ficado surpreendida com a quantidade de pessoas que vêem algo de errado com a parte de Bella na relação. É ter dois pesos e duas medidas.
Bella é capaz de funcionar melhor fora da relação do que o próprio Edward. Quando eles estão separados, ela safa-se muito melhor na sua vida do que ele. E quanto à castidade, era inteiramente uma coisa do Edward, que queria continuar com a experiência de vida da sua personagem.
Não acho que o encanto de Bella esteja no ser uma heroína “antiquada”. O apelo está na sua normalidade. Não existem muitas heroínas como Bella - qualquer pessoa pode colocar-se nos seus sapatos em qualquer altura da saga até “Amanhecer” e seria capaz de fazer tudo o que ela faz. Ela não tem super-poderes. Ela não tem um cinturão negro em nada. Ela não nasceu herdeira de uma coroa ou de um legado. Ela não tem uma fortuna. Acho que o facto de ela ser tão normal faz com que seja excitante ler sobre ela - porque se tudo isto aconteceu a Bella, não há qualquer razão para que não possa também acontecer ao leitor.
Jana Reiss, ex-crítica literária da revista “Publisher's Weekly”, especialista em religiões, já afirmou que os jornalistas ignoram o seu “background” em Literatura inglesa e muitas vezes descrevem-na como uma “dona de casa mórmon” intelectualmente desinteressante. O que sente quanto a isto? Acha que os media dão uma imagem errada de si?
Não vou comentar coisas que alguém escreveu sobre mim.
A mesma Jana Reiss defende que os seus romances estão cheios de temas mórmones. Se isto for verdade, pode dar-nos alguns exemplos desses temas?
De novo, não vou comentar um artigo sobre os meus livros.
Referiu-se a “Nómada”, o seu romance para adultos, como um romance de ficção científica para pessoas que não gostam de ficção científica. Porquê?
Quem lê “Nómada” não tem a sensação de estar a ler um livro de ficção científica; o universo é familiar, o corpo em torno do qual o narrador se move é-nos familiar, as emoções que se vêem na cara das pessoas à sua volta é-nos familiar. A acção decorre muito neste mundo, só com algumas diferenças chave. Se não existisse a regra de que as histórias de extraterrestres são por definição ficção científica, eu não classificaria “Nómada” dentro desse género.
“Nómada” foi inspirado pelo aborrecimento absoluto. Eu estava a conduzir de Phoenix para Salt Lake City, através do deserto mais enfadonho do mundo. É uma viagem que faço muitas vezes, e uma das maneiras de não enlouquecer é contar histórias a mim própria. Não faço a mínima ideia do que desencadeou a estranha ideia de base de uma alma extraterrestre que se hospeda num corpo humano e que se apaixona pelo namorado do corpo hospedeiro e vê este constantemente a protestar contra isso.
Já ia a meio da história antes de me ter apercebido do que ali se estava a passar. Embora a história tenha exigido desde o início toda a minha atenção. Posso dizer que havia qualquer coisa de irresistível na ideia de um triângulo tão complicado. Comecei por escrever o esqueleto da trama num livrinho de apontamentos. Só quando cheguei perto de um computador é que comecei da dar-lhe forma. “Nómada” estava destinado a ser só um projecto paralelo - alguma coisa que me mantinha entretida quando estava a rever e a editar o manuscrito de “Eclipse” - mas acabou por se tornar em algo de que eu não me conseguia afastar até o ter acabado.
A maneira como o romance termina, leva a pensar que irá haver uma sequela.
Tenho ideias para duas sequelas de “Nómada” mas ainda não tenho a certeza se e quando as irei fazer. Há tantas outras histórias que eu quero contar.
Na saga e em “Nómada” algumas das personagens estão envolvidas num triângulo amoroso ou hesitam entre duas paixões. Isto é baseado em alguma experiência pessoal?
Uma vez na faculdade tive um encontro marcado com três rapazes diferentes no mesmo dia, mas isto é o mais perto que estive um triângulo amoroso (ou quadrângulo). A minha vida amorosa foi muito convencional - boa, mas aborrecida para se falar dela. Eu gosto de escrever sobre experiências excitantes que não me aconteceram, por isso não existem muitas circunstâncias nas minhas histórias que tenham alguma coisa a ver com a minha vida real.
Com os seus livros ultrapassou as fronteiras entre a literatura para jovens e a literatura para adultos tão como aconteceu com Harry Potter de J. K. Rowling. Acha que isto é parte do seu sucesso?
Ainda estou em estado de choque por causa do sucesso dos livros. Passei muito tempo a questionar porque é que os livros inspiravam tanto entusiasmo e devoção, mas não cheguei a nenhuma conclusão. Eu sei o quanto amo as minhas personagens, por isso talvez isso transpareça nos livros e faça com que as outras pessoas os amem, também.
Originalmente escrevi “Crepúsculo” para mim própria - era uma mãe de 29 anos - por isso não fico surpreendida que entre as minhas fãs se incluam também mulheres adultas. Quando já tinha avançado algumas semanas na minha escrita, a minha irmã mais velha juntou-se a mim como leitora. Todo o tempo em que estive a escrever a média de idades do meu público era de 30 anos. Fiquei mais surpreendida quando mais tarde vi que o livro acabou por funcionar tão bem entre os mais jovens do que fiquei com o facto de os adultos gostarem também do livro. Gosto desta popularidade que atravessa idades.
Se fosse um livreiro e tivesse que recomendar os livros da saga “Luz e Escuridão” como o faria?
Não sei dizer, não consigo imaginar nada. Não consigo distanciar-me dos meus livros e olhar para eles objectivamente.