Entre os escritores catalães que começaram a publicar na década de 1970 - os anos da transição política para a democracia em Espanha e da normalização institucional da língua catalã na Catalunha -, Quim Monzó será hoje talvez o mais popular. Autor multimédia, digamos assim, presente em vários canais (livros, revistas, jornais, rádio e televisão), tornou-se uma espécie de celebridade "mediática" à medida do tempo e à escala do lugar.
Sobretudo a partir da última década do século passado e da publicação do romance "La Magnitud de la Tragèdia" (1989) e do volume de contos "El Perquè de Tot Plegat" (1993), ambos somando dezenas de reimpressões. É também um dos mais internacionalizados escritores catalães (a avaliar pelo número de traduções de livros seus).
Basta lembrar que quando a literatura catalã foi a estrela da Feira de Frankfurt, em 2007, foi Monzó quem discursou na abertura da festa. Nascido em Barcelona em 1952, também tradutor (de Salinger, Capote e Coover, por exemplo), Quim Monzó começou por se dedicar ao desenho gráfico e é sobretudo um contista, somando hoje a sua bibliografia uma vintena de títulos.
Publicado originalmente em 1983, "Gasolina" é o primeiro dos dois únicos romances de Monzó. Na altura, pôde ser lido, em modo realista, como retrato do vertiginoso, pueril e autodevorador ambiente artístico de Nova Iorque (onde o autor vivera alguns anos), mas hoje podemos lê-lo de maneira menos comprometida com as (e pelas) circunstâncias. Entre uma passagem de ano e outra, entre uma ressaca e outra, entre um pintor que cai no esquecimento e outro que ascende à glória mundana, entre uma tela de Hopper e outra de Hockney decorre a acção de "Gasolina", que é feita de oscilações que se contradizem, ou se anulam ou simplesmente se resolvem num idêntico impasse. "Gasolina" é uma pescadinha de rabo na boca, é a serpente do tédio que a si mesmo se devora, é um romance construido sobre a reversibilidade de tudo, a circularidade do vazio, o eterno retorno do mesmo. É um romance sobre a endogamia. Os dois pintores catalães que vivem em Nova Iorque e que partilham o protagonismo da história partilham também as mulheres (a galerista e a amante). E se um desce e outro sobe nas cotações artístico-mundano-económicas (de maneira igualmente vertiginosa), se um mergulha em crise criativa (a angústia da "tela" em branco) e outro nem tem tempo nem mãos suficientes para concretizar as ideias que freneticamente lhe ocorrem, os dois são, afinal, o espelho, o negativo, o duplo um do outro. Talvez sejam, até, uma única personagem.
Quim Monzó recusa o psicologismo e a ilusão realista. Há na sua escrita um despojamento retórico que é usado para evidenciar a retórica estrutural da ficcão. E, como acontece com um bar nova-iorquino pintado por Hopper ou uma piscina californiana de Hockney, a dimensão figurativa e realista ascende para a abstracção, alegoriza-se. Monzó reforça esta distanciação psicológica socorrendo-se de métodos e autoconstrangimentos que poderiam fazer lembrar um pouco os do grupo OULIPO. Por exemplo, os nomes de todas as personagens de "Gasolina" começam pela letra H. Outro recurso predilecto é o de explorar metodica e extensivamente um episódio à partida insignificante ou uma descrição anódina, que se transformam numa espécie de inventários ou variações que expõem o jogo ficcional.