Não posso mais, a canção-protesto no estertor do cavaquismo
a Faltava pouco mais de um ano para terminar o último mandato de Cavaco Silva enquanto chefe do Governo e os acontecimentos daquele Verão de 1994 iriam marcar indelevelmente a carreira política do então primeiro-ministro.O aumento das portagens na Ponte 25 de Abril foi o rastilho necessário para a contestação sair para a rua - um megabuzinão na ponte; um bloqueio organizado por um grupo de camionistas; uma violenta carga policial que terminou com um homem baleado, dezenas de feridos e muitas detenções. Pedro Abrunhosa & Os Bandemónio viajavam para a Ericeira quando ouviram na rádio as notícias sobre a intervenção policial, contou o músico num artigo escrito em 2003 para a revista Visão.
Acontecia "o impensável num país que vinha de celebrar 20 anos de democracia", escreveu. Abrunhosa &
Os Bandemónio estavam então em digressão com o álbum de estreia do grupo, Viagens. E na noite de 30 de Agosto um memorável concerto na Costa da Caparica transformou um dos maiores êxitos da banda, Não posso mais, no hino da contestação às políticas cavaquistas. "A canção descomprometida que marcara o Ve-
rão tornava-se assim, para meu espanto também, numa palavra de ordem que ultrapassava claramente o universo estético para o qual houvera sido criada, para se ir intrometer na esfera ético-política, apanhando de surpresa o país que, afinal, durante anos calara esse mesmo grito".
O concerto na Costa da Caparica acabou por dar um novo fôlego à car-
reira de Abrunhosa, que passou a ser também um ícone da intervenção política e social. Um ano depois, já no estertor do cavaquismo, a banda lançou F, cuja faixa Talvez foder foi profusamente utilizada como canção de protesto contra Cavaco. Abrunhosa assumiu esta causa anticavaquista. E nunca deixou de assumir as suas preferências políticas. Apoiou o Bloco de Esquerda nas eleições europeias de 2004; e nas últimas presidenciais esteve ao lado de Manuel Alegre. O PÚBLICO tentou contactar Pedro Abrunhosa, mas tal não foi possível até ao fecho desta edição.