O CSI atómico pode ser a nova forma de dissu asão?
Na Guerra Fria, vingou a ideia de destruição mútua assegurada (MAD) para evitar que as grandes potências usassem bombas atómicas. Agora, políticos e cientistas procuram novas fórmulas para travar a ameaça que se disseminou, a do terrorismo nuclear
a Se Kim Jong-Il vendesse uma ogiva nuclear do arsenal da Coreia do Norte a um terrorista - Osama Bin Laden? - realizar-se-ia o pior pesadelo do mundo pós-11 de Setembro. Mas a ciência quer ajudar a evitar este cenário de catástrofe ao desenvolver técnicas a que se pode chamar "o CSI nuclear", pedindo emprestado o nome da famosa série de televisão. A ideia é evitar que Kim venda uma ogiva nuclear pois saber-se-á sempre de onde esta veio através da análise dos destroços da explosão."Enfrentamos a ameaça do terrorismo nuclear, e por isso temos de revitalizar o conceito de dissuasão", explicou ao PÚBLICO, por e-mail, Graham Allison, um cientista político norte-americano especialista em políticas de segurança e defesa, e que dá especial atenção às questões relacionadas com as armas nucleares. Em Março, num artigo que fez a capa da revista Newsweek, propôs que a nova ciência do CSI nuclear - ou ciências forenses nucleares, num nome mais técnico - fosse a base desse novo conceito de dissuasão.
A ideia da destruição mútua assegurada (MAD, na sigla em inglês) que vingou durante a Guerra Fria permitiu travar a utilização de armas nucleares pelos Estados Unidos e pela União Soviética mas já não se adequa a um mundo em que as armas e o know-how nuclear estão cada vez mais disseminados. Sobretudo depois do 11 de Setembro, em que uma nação sofreu um forte ataque vindo de um grupo de indivíduos unidos apenas pelas suas ideias (a Al-Qaeda de Bin Laden).
O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, não falou nesta nova variante de ciências forenses, no seu discurso sobre o nuclear no domingo passado. Mas o tema das novas formas de dissuasão estará certamente na sua agenda, diz Allison: "O Presidente Obama já declarou que a ameaça do terrorismo nuclear se eleva acima de todas as urgências, e comprometeu-se a agir. Actualizar os conceitos do século XX para se adequarem às ameaças do século XXI deve ser uma grande prioridade da sua Administração, e há sinais de que assim é."
Em busca de assinaturas
Então como poderia funcionar esta nova forma de dissuasão? "O objectivo seria duplo. Primeiro, evitar que líderes de Estados nucleares vendessem armas a terroristas, ao garantir que seriam responsabilizados pela sua utilização. Segundo, daria aos líderes políticos o incentivo necessário para garantir a segurança das suas armas e outros materiais nucleares", explica Allison, director do Centro Belfer da Universidade de Harvard.
As ciências forenses nucleares juntam várias competências, da física e da química, para detectar a origem de materiais radioactivos, tanto antes de serem detonados como depois. Ou que nunca serão detonados, como os materiais usados em máquinas de raios-X, por exemplo, mas que por vezes são alvo de tráfico ilícito na União Europeia, juntamente com outros materiais mais preocupantes - como urânio altamente enriquecido, produzido em algumas centrais e usado nas armas nucleares.
Identificar de que zona do mundo terá vindo o urânio (pois cada minério, consoante a região geográfica de onde é originado, tem composições ligeiramente diferentes, com uma assinatura própria), que tecnologia terá sido usada para o purificar. Ou, no caso de serem pastilhas como as usadas nas centrais nucleares, onde são usadas (cada máquina pode ter diferentes formatos, por exemplo).
Tudo isto segue regras semelhantes às dos especialistas forenses, que recolhem fios de cabelo, impressões digitais e outras amostras biológicas ou não no local de um crime, para tentar chegar ao culpado.
E em que é que difere da ciência do tempo em que as potências nucleares tentavam detectar os ensaios de bombas atómicas que as outras faziam? "A diferença é que agora se pode identificar a origem e história de materiais nucleares fora de controlo, usando várias técnicas de análise", explica Karl Mayer, o responsável pelo programa de ciência forense nuclear do Instituto de Elementos Transuranianos, na Alemanha, o laboratório europeu de referência do CSI nuclear.
"Estamos nisto juntos"
Mas poderá esta ciência ser a base de um novo conceito de dissuasão? "A dissuasão é um mecanismo psicológico", diz Raymond Jeanloz, um astrofísico da Universidade da Califórnia em Berkeley, que em 2006 foi co-autor de um artigo na Nature, apelando à constituição de uma base de dados internacional de materiais nucleares - uma base indispensável para tornar eficaz esta nova ciência forense nuclear. "Uma arma nuclear roubada na Rússia ou no Paquistão poderia ser usada no país de que é originária - estamos nisto juntos", disse ao PÚBLICO numa conversa telefónica.
Consequências terríveis
E será boa ideia basear este novo conceito de dissuasão na ameaça do terrorismo nuclear? "Apesar dos esforços de prevenção que se têm feito, a margem de segurança contra a possibilidade de ataques terroristas utilizando armas de destruição maciça está a diminuir. Se não se tomarem medidas preventivas, é provável que aconteça um ataque terrorista com estas armas nos próximos cinco anos", afirma Graham Allison.
Jeanloz não é um cientista político, e não quer ser alarmista, mas frisa que pensar nisto não é uma perda de tempo. "Esperamos que nunca aconteça, mas, se houvesse um ataque nuclear num centro urbano moderno, as consequências seriam tão terríveis que temos de estar preparados", diz.
O conhecimento sobre a tecnologia nuclear está a espalhar-se pelo mundo, graças ao nuclear civil para produzir electricidade e, neste momento, há como que um renascimento de interesse nesta indústria. Há que contar com isso. "A proliferação dos conhecimentos nucleares torna mais provável que caiam em mãos erradas, talvez não de indivíduos que representam um Estado, mas outros interesses."
Daí, diz, a necessidade de lutar contra o contrabando nuclear - e identificar a origem dos materiais traficados - e vigiar em especial as zonas de fronteira, como se faz na Europa, receando o tráfico de materiais russos ou da antiga União Soviética.
A possibilidade de que algo errado aconteça, que materiais perigosos caiam nas mãos erradas, ainda que remota, é por isso um risco a enfrentar, diz Jeanloz. "É um poderoso incentivo a que os Estados tomem conta dos seus materiais nucleares."