Lista de inimigos do presidente Kadirov cada vez mais reduzida
Em seis meses apenas, seis dissidentes do regime de Grozni foram mortos a tiro, em plena luz
do dia, em ruas de Viena ou do Dubai
a A incerteza sobre quem mandou matar e quem matou o antigo comandante tchetcheno Sulim Iamadaiev, antigo aliado e autodeclarado dissidente do presidente da Tchetchénia, Ramzan Kadirov, avoluma-se de dia para dia. E, cada vez mais, rivaliza com uma outra dúvida: estará o ex--guerrilheiro separatista mesmo morto? Os relatos sobre se Iamadaiev sobreviveu ou não ao atentado de 28 de Março, no Dubai, são contraditórios, persistindo uma sensação de mistério, de coisa por explicar.
Há uma semana, as autoridades policiais dos Emirados Árabes Unidos deram como segura a morte de Sulim Iamadaiev: fora alvejado num parque de estacionamento, perto do apartamento luxuoso onde habitava no Dubai, e sucumbira aos ferimentos no hospital. Avançaram ainda que o corpo tinha sido entregue aos familiares para ser enterrado.
Mas, ao mesmo tempo, um dos irmãos de Iamadaiev, Isa, citado pelos jornais russos Vremia Novostei e Gazeta, garantia que Sulim sobrevivera e continuava hospitalizado no Dubai. "Está nos cuidados intensivos", reiterou há dois dias apenas à agência noticiosa russa RIA Novosti.
No que conta, oficialmente é o próprio ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, quem deixa a porta aberta a uma possível sobrevivência de Iamadaiev: "Contamos que os nossos parceiros nos Emirados Árabes Unidos o façam [a confirmação de morte] quanto antes, mas nada foi recebido na embaixada russa, que é o canal oficial neste tipo de casos", explicou numa conferência de imprensa antes de partir para o Turquemenistão, há três dias.
Para a polícia do Dubai, o caso não inspira dúvidas. Iamadaiev é dado como morto e há mesmo um suspeito no assassínio sobre o qual as autoridades disseram ter "provas conclusivas": o deputado tchetcheno na Duma (câmara baixa do Parlamento russo) Adam Delimkhanov, tido como um dos maiores aliados de Kadirov.Esta acusação foi violentamente recebida em Grozni. "Adam é meu aliado próximo, um amigo, um irmão, e a minha mão direita", afirmou o presidente tchetcheno, avisando que iria "responsabilizar aqueles que fazem insinuações difamatórias".
E, pela mesma altura, dava outra achega: revelava que Sulim Iamadaiev o tentara envenenar, no dia em que assumiu a presidência, a 15 de Fevereiro de 2007, e que tivera "um papel" na morte de Akhmad Kadirov, pai de Ramzan, morto na explosão de uma bomba, em Grozni, durante uma parada em Maio de 2004.
Admitindo que Iamadaiev tenha sido morto, poucos analistas arriscam tecer teses sobre a autoria do assassinato. "É uma posição desconfortável", avalia o director do Departamento de Relações Interétnicas do moscovita Instituto de análise Política e Militar, Sergei Markedonov.
"E independentemente de quem deu a ordem e de quem a executou, creio que é mais importante o facto de um separatista, que foi condecorado Herói da Rússia, ser primeiro procurado pelas autoridades, depois absolvido, e finalmente morto em plena luz do dia. Isto é muito elucidativo do que se está a passar [no Cáucaso]".
Lista de 300 nomes
O filho do antigo líder tchetcheno Aslan Maskhadov - comandante dos separatistas na primeira guerra da Tchetchénia - manifestava há um par de semanas medo pelas ameaças que diz receber no exílio na Noruega.
"Estou muito preocupado com o que pode acontecer aos meus familiares na Tchetchénia", afirmou em entrevista à Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade, explicando que está a ser pressionado para regressar ao país natal para dar "legitimidade ao Governo de Kadirov". "A última mensagem que recebi dizia claramente que algo de muito mau lhes acontecerá", contou Anzor Maskhadov.
Estas acusações surgiram dias depois de um alegado assassino contratado denunciar ter recebido ordens de Kadirov para matar um exilado tchetcheno. Fê-lo num vídeo, gravado sem identificação de data nem local da filmagem, e colocado no YouTube pelo site radical tchetcheno kavkazcenter.com: nele Ruslan Khalidov conta que foi torturado e chantageado para que levasse a cabo o assassinato de um líder da enorme comunidade de exilados tchetchenos na Noruega e que decidiu "desaparecer do mapa" antes de cumprir essa missão. Avançou que Kadirov tem uma lista de "300 inimigos".
De certo tem-se apenas que nos seis meses anteriores a estas denúncias, cinco personae non gratae ao regime de Grozni foram mortas: três exilados tchetchenos em Istambul, todos homens de armas da antiga rebelião, mais um dos irmãos de Sulim Iamadaiev, numa das ruas mais movimentadas do centro de Moscovo, e ainda um antigo guarda-costas de Kadirov, Umar Ismailov, em Viena, o qual acusara o líder tchetcheno de ordenar a tortura e o assassinato dos que lhe são rivais.
As investigações às três mortes em Istambul são até agora as que mais avançaram, mas mesmo assim pouco. Confirmado foi apenas que o mesmo tipo de arma foi usado em todos os assassinatos - uma pistola MSP de calibre 7.62, preferida dos agentes do KGB na década de 1970.
Para tranquilizar Moscovo
Segundo os diários turcos Vatan e Hurriyet, os serviços secretos do país abriram um inquérito a estas mortes, estando a ser investigado o possível envolvimento de russos, mas não há provas que as liguem aos Serviços Federais de Segurança (FSB, agência sucessora do KGB). De resto, nada há que os ligue a Kadirov.
A analista britânica Liz Fuller, especialista em assuntos do Cáucaso, admite que é tão provável a participação de Kadirov como a de forças russas descontentes com aqueles antigos guerrilheiros separatistas.
"O que é mais difícil de avaliar é até que ponto Kadirov está a perder o apoio do Kremlin", sublinha, notando que um suposto envolvimento do presidente tchetcheno "pode ser lido como uma tentativa desesperada de mostrar a Moscovo que estão a ser afastadas quaisquer possíveis ameaças, internas ou externas, de desestabilização do regime".
Sulim Iamadaiev é acusado de ter tido "um papel" na morte em 2004 de Akhmad Kadirov (na foto), pai de Ramzan Kadirov