Maria José gosta do aconchego que é ter Cidália lá por casa
Programa de parceria da Fundação Social do Porto com a Federação Académica espera aumento de pedidos por causa da crise
a Maria José Ferreira da Silva não gosta de ficar desocupada. Se está desocupada, começa "a pensar no que era e já não é, no que não foi e no que poderia ter sido". A amiga Maria Clara falou-lhe no Programa Aconchego - Acolhimento Sénior a Estudantes do Ensino Superior. E ela alegrou-se com "a companhia que podia ter", com "o bem que podia fazer". "É sempre agradável ajudar alguém. Ainda por cima, neste caso, lucro um bocadinho!"Já vai nos 85 anos. É "da época em que as senhoras não trabalhavam". O marido, que era advogado, morreu em 1975. E ela ficou com os dois filhos já grandes. Ainda os tem, "graças a Deus". Um médico e um advogado que lhe deram seis netos - um bisneto a caminho.
É muito activa. Faz voluntariado no Instituto Português de Oncologia à segunda-feira. Frequenta o Instituto D. António Ferreira Gomes, ensino superior para seniores, às terças e quintas: arquitectura e Bíblia. Às quartas, vai com uma amiga passar a tarde com outra que está num lar, em Santo Tirso. Divertem-se a jogar canasta. Mas queria também companhia nocturna.
O programa Aconchego fora lançado no ano lectivo 2003/2004. Maria José encaixava no perfil definido pela parceria entre a Fundação Social do Porto e a Federação Académica. Tem um belo apartamento. É uma idosa activa, com abertura ao meio ambiente, não gosta de ficar dentro de casa.
Acolheu uma estudante de Fisioterapia durante dois anos. E logo outra, que já vai no segundo ano. Com a primeira, a relação era mais distante: "Ela era uma pessoa extremamente calada". Com esta é mais próxima. Conversam, um pouco, à noite. Às vezes, Cidália Novais leva-lhe o tabuleiro para a cozinha. Já lhe deu massagens: "Tenho impressão de que vai ser uma boa profissional!"
Cidália é de Celorico de Basto. Vivera o primeiro ano numa residência universitária. Partilhara um quarto com uma rapariga com hábitos de estudo nocturno e isso fizera-lhe "alguma confusão". Na Queima das Fitas, lera um artigo sobre o Programa Aconchego. "O factor económico" pesou na decisão. Mas não foi tudo. Atraía-a a ideia de "viver num ambiente familiar".
Idosos em lista de esperaAté agora, passaram pelo programa 88 pessoas. Neste momento, "estão 16 ou 18", diz Margarida Fernandes, administradora executiva da Fundação Social do Porto. No início do ano, a soma é superior. Há um período de adaptação. Acontece a relação "não correr bem e o estudante abandonar o programa". Também acontece mudar de idoso, rodar. "Este programa é muito acompanhado por nós. Quando vemos que há dificuldades, tentamos resolver".
"Isto não é um programa de massas", avisa Margarida Fernandes. "Não é fácil juntar duas pessoas que encaixem". Mesmo assim, cabe perguntar: o que é uma dezena de estudantes num universo de 80 mil? O presidente da FAP, Filipe Almeida, afiança que os diversos órgãos académicos têm falado no assunto. Admite, no entanto, que a divulgação pode ser maior.
Talvez 2009/2010 seja o ano lectivo da mudança. Margarida Fernandes acha que o número de pedidos vai aumentar, agora que o mundo mergulhou na crise. Não tardarão a fazer nova captação de idosos nas paróquias do Porto. Para já, há "uma bolsa de três ou quatro em espera".
Algumas condiçõesO idoso tem de residir no concelho do Porto e de ter condições para ter um hóspede. Só que isso não basta. Há idosos que se candidatam e não conseguem entrar. A equipa percebe que não são adequados. Vão dizer ao estudante para não tomar banho todos os dias ou não ter a luz acesa até tarde. O estudante tem de residir fora do Porto. E não pode ser um boémio daqueles que gostam de sair todas as noites e trazer namoros para casa.
"Se ela não tivesse educação, custava-me. A mocidade agora está um bocado para o atrevido", volta Maria José. Cidália é caseira, estudiosa. De quando em quando pede para ir a um jantar ou a uma festa e isso Maria José compreende. Gostava que ela ficasse aos fins-de-semana. Mas ela não fica, claro.
Cidália integra uma família de seis irmãos. Uma irmã já a veio visitar ao Porto e até trouxe um frango "pica no chão" a Maria José. Os pais não. "Não têm mobilidade". O pai é reformado, mas a mãe trabalha num lar de idosos de segunda a sexta-feira. Aos fins-de-semana, junta-se a família inteira.
Por vezes, este vaivém cria algum mal-estar entre os idosos e os estudantes. Sobretudo os filhos dos idosos. Têm expectativa de ter ali alguém a tempo inteiro. E os estudantes ficam quatro dias por semana, porque à sexta pegam na mochila e vão para casa e só voltam segunda de manhã.
Há jovens que ficam um ano e saem. O recordista ficou três anos. A maior parte dos idosos mora nas Antas, na Boavista, na Foz do Douro. Na Baixa, como Maria José, muitíssimo poucos.