Serviço de Urgência Acabou a dança
ER chega hoje ao fim nos EUA. Com menos brilho inoxidável, são
15 anos de drama médico, 122 nomeações para os Emmys e 22 prémios
que indicam o fim de uma era nas séries americanas
a Das imagens que Serviço de Urgência (ER) ofereceu à cultura popular nos últimos 15 anos, talvez a mais marcante seja a coreografia que os diferentes elencos desenharam em torno de macas, monitores cardíacos e garrafas de soro. O aço inoxidável de um hospital fictício em Boston reluz no meio de uma dança, de um verdadeiro ballet de câmaras, batas ondulantes e enfermeiros em corrida. Com a despedida de Serviço de Urgência, é o princípio do fim de uma era da televisão. Em 1994, ela era parte integrante da segunda era dourada das séries americanas. Hoje, assistimos ao fraquejar da terceira vaga desse ouro nas séries e a TV está diferente. As audiências estão mais fragmentadas pelos novos média e pelo cabo e os canais americanos estão a optar por soluções mais baratas, como os concursos e os reality-shows (que são os programas mais vistos actualmente nos EUA, liderados por American Idol).
Mas se Serviço de Urgência começou há 15 anos, a sua história remonta aos anos 1970, com o jovem Michael Crichton (que morreu em 2008) a estudar Medicina em Harvard. Inspirado pela sua experiência, escreveu um guião para uma série, que ficou guardado desde 1974. Vinte anos depois e muito graças ao êxito de Parque Jurássico, a NBC decidiu arriscar numa série anormalmente rápida, que empregava demasiado jargão técnico e Steadicams ao ombro. E que mostrava sangue e morte quando era preciso.
A 19 de Setembro de 1994, a NBC estreava Serviço de Urgência, que se tornaria a série médica mais longa de sempre (a série com maior longevidade é Law & Order). No mesmo ano, decorria a cimeira sobre uma tal de auto-estrada da informação e Bill Clinton estava na Casa Branca. Kurt Cobain suicidava-se e Nelson Mandela tornava-se o primeiro Presidente negro da África do Sul. Em Portugal, a televisão abria-se ao cabo. Serviço de Urgência chegaria, em Outubro de 1996, à RTP1. Nos EUA, a NBC era rainha. Nas noites de quinta-feira, Serviço de Urgência ocupava o lugar das históricas A Balada de Hill Street e As Teias da Lei. As audiências eram esmagadoras e a TV estava cheia de ficção campeã de audiências.
Gente de passagem
Olhando hoje para Serviço de Urgência e para a celebração das últimas semanas, com o regresso de George Clooney (Doug Ross), Anthony Edwards (Mark Greene), Laura Innes (Kerry Weaver), Sherry Stringfield (Susan Lewis), Alex Kingston (Elizabeth Corday) ou Noah Wyle (John Carter), é difícil perceber o que significou na época. Hoje tem uma média de nove milhões de espectadores de audiência, quando nas primeiras temporadas rondava os 40 milhões. Detém o recorde de 122 nomeações para os Emmys (22 das quais foram prémios), mas os argumentos estão mais embrenhados nas vidas pessoais dos protagonistas e o seu estilo pioneiro já habita outros produtos, outros canais e outros géneros.
Noah Wyle, um dos veteranos da série, não se coíbe de assumir que Serviço de Urgência talvez já vá tarde. Mas, voltando a 1994, Serviço de Urgência era algo novo. Todos os outros canais generalistas dos EUA a recusaram por tudo o que a distingue: a catadupa de termos médicos, o elenco alargado, o sangue, a confusão, a rapidez. "Era inédito falar 'mediquês' numa série de televisão", recorda Lydia Woodward, uma das produtoras iniciais de Serviço de Urgência, em declarações ao Newsday. Nem Chicago Hope - Médicos sem Fronteiras, que se estreou no mesmo ano, o fazia.
Serviço de Urgência era uma novidade técnica com implicações temáticas. A tal dança da sala de urgências tinha como objectivo final a autenticidade num cenário altamente especializado. "Estávamos a tentar dizer que havia um artifício em muito do que estava no ar e que os espectadores sabiam que havia um artifício. E que íamos fazer algo que parecia ser diferente e que era diferente", recorda John Wells, o primeiro dos produtores da série, citado pelo Los Angeles Times.
O ritmo de filmagem era alucinante, com montagem a condizer. Um episódio envolvia cerca de 700 ou 800 cortes na sala de montagem, o dobro do que era normal na época, servido por uma câmara pensada como as rodas de uma maca - capazes de girar em todos os sentidos, rápidas e sempre passíveis de paragens inesperadas, apanhando situações a meio, no fim ou prestes a começar.
Sem costuras, descreve Rod Holcomb, realizador do último e do primeiro episódio. "Viram-se, tombam, giram. Se continuarmos a segui-las e observarmos durante tempo suficiente, apercebemo-nos de que passámos por toda a sala de Urgências sem o saber." Num único e longo take, tudo o que se passava no serviço. "Era um ritmo e um estilo bastante inovador", recorda Noah Wyle no USA Today. E havia múltiplas histórias num só episódio, nem sempre com um final e muito menos um final feliz, o que aumentava a tentativa de verosimilhança.
O legado
"Contávamos as histórias de forma fragmentada, apanhando apenas o fim ou o início de um arco [narrativo], o que reforça a noção de que as Urgências são um local de transição em que não sabemos necessariamente de onde [as pessoas] vêm ou para onde vão", resume Wyle. "Estão apenas de passagem."
Resultado: de CSI até Anatomia de Grey e Clínica Privada, o estilo de Serviço de Urgência redundou nos famosos walk-and-talk de Os Homens do Presidente e de House e na realização de muitas outras de géneros variados. Para escrever a série, utilizaram consultores e alguns argumentistas especializados, com medicina no currículo, algo que também não era habitual e que se tornou uma referência obrigatória em dramas de fôlego como, novamente, Os Homens do Presidente.
E, em termos sociais e culturais e por causa dessa proximidade com o real, Serviço de Urgência também teve um impacto maior do que outras séries de medicina como St. Elsewhere (anos 80), Dr. Kildare (anos 60) ou mesmo a novela diurna General Hospital. Eli Attie, agora argumentista e produtor executivo de House, falava há tempos ao P2 no quase mito urbano que reza que Serviço de Urgência fez disparar as candidaturas às faculdades de medicina. Mark Hoornstra, director do Departamento de Medicina de Emergência do Hospital de St. Francis, confirma e acrescenta, no Newsday, que as residências na especialidade de repente estavam entre "as mais cobiçadas no país". E do lado dos espectadores, aumentavam as consultas após uma suspeita levantada por um episódio.
Na hora da despedida - os últimos episódios desta 15.ª temporada devem chegar a Portugal no final do ano - pondera-se então se este não será mais um sinal do fim de uma era. A série que quase metade dos lares americanos seguia religiosamente já não é o que era, mas a televisão também não. Serviço de Urgência era a âncora das noites de quinta, às 22h, e esse horário passará a ser ocupado pelo novo talk-show de Jay Leno (de segunda a sexta), com a NBC a poupar milhões. Uma semana de Leno custará cerca de 1,5 milhões de euros, enquanto um único episódio de 50 minutos custa entre 1,5 e quatro milhões.
"Não posso dizer 'nunca', mas duvido de que voltemos a ver séries como Serviço de Urgência, que juntem uma quantidade tão grande de espectadores para ver algo à mesma hora. É verdadeiramente o fim de uma era na televisão", disse Neil Baer, médico, produtor e guionista da série, ao Los Angeles Times.
Temporada 8 - Uma das personagens mais queridas da série, Mark Green, sucumbe a um tumor cerebral. A envolvente emotiva dessa morte no Havai, com um testemunho post mortem lido pelo actor no final do episódio, fez chorar as pedras da calçada.
Temporada 6 - John Carter é apunhalado por um paciente mentalmente desequilibrado e, na queda, descobre que a sua estagiária, Lucy, foi a primeira vítima. Carter entra em depressão e torna-se toxicodependente devido à dor crónica. Lembra-lhe Dr. House? A nós também. No episódio seguinte, Lucy morre.
Temporada 2 - Neste episódio, a maior estrela que saiu de Serviço de Urgência, George Clooney (Doug Ross), abandonava o hospital de Boston para rumar a uma tranquila clínica pediátrica. Numa noite de chuva torrencial, encontra um rapazinho preso numa ravina e luta para o salvar.
Temporada 11 - John Carter abandona o elenco fixo para passar a aparecer esporadicamente, como trabalhador humanitário em África. É a saída do até então mais veterano dos actores da fase inicial da série e a abertura de uma janela para o mundo real e que se prolonga, na temporada seguinte, para o Darfur.