Maldivas: um país em luta contra o destino de desaparecer

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As Maldivas são o país mais baixo do mundo Anuruddha Lokuhapuarachchi/Reuters

As Maldivas são o país mais baixo do mundo. Este conjunto de 1200 ilhas agrupadas em 26 atóis mal se distinguiria na linha do horizonte não fossem as palmeiras e os sinais de ocupação humana. Com 380 mil habitantes distribuídos por cerca de duas centenas de ilhas (área total: 298 km2; é a quinta densidade populacional mais alta do mundo), esta nação não olha para a ameaça da subida do nível dos oceanos como um cenário vagamente distante ou de ficção científica.

Se a água dos mares subir mesmo um metro até ao final do século, conforme as previsões revistas do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, da ONU, as Maldivas deixarão de existir. Quatro quintos do país ficam menos de um metro acima do nível médio das águas e a experiência do tsunami de 2004, quando as vagas devastaram quase completamente várias ilhas, não deixa espaço para optimismos. Na sequência da catástrofe, foi necessário refazer o mapa do país.

Para os cidadãos das Maldivas, portanto, a questão já não é se as águas lhes vão roubar o país. É quando. O Presidente Mohamed Nasheed, eleito em 2008 para pôr fim a uma longa ditadura, inaugurou o seu mandato com o anúncio de uma medida inédita: a criação de um fundo de poupança nacional, destinado a financiar a compra de território para onde a população se possa mudar quando o seu país desaparecer.

Mas, enquanto isso não acontece (as alternativas são o Sri Lanka e a Índia, mas também o Norte da Austrália), há que combater diariamente o avanço das águas. Cidades como a capital, Malé, com 100 mil habitantes e situada apenas 90cm acima do nível do mar, têm de ser defendidas. É por isso que o núcleo urbano, fundado pelos portugueses e, com mais de 48 mil pessoas por km2, a cidade mais densamente povoada do mundo, está completamente rodeado por uma barreira de blocos de betão que lembra a todos a batalha constante que está a ser travada contra o mar.

Construir barreiras artificiais é uma das soluções adoptadas, mas alguns cientistas defendem que o processo mais eficaz de proteger as ilhas é reforçar o recife exterior, colocando blocos volumosos que os pequenos corais cobrem e aumentam ao longo dos anos. Só que o aquecimento que leva ao degelo das calotas glaciares, e ao aumento do volume de água dos oceanos, também é desfavorável para os corais, muito sensíveis a alterações mínimas da temperatura da água.

Construir ilhas inteiras, artificiais, é outra possível solução. "Estamos a propor ilhas grandes, com até três metros de altura, em sete diferentes zonas do país", explicou à BBC on-line Ali Rilwan, da organização não-governamental Bluepeace. Isto permitiria, de acordo com os promotores, alojar os mais de 300 mil habitantes do país durante, pelo menos, 200 anos. A nova ilha de Hulumale já representa algo do género: protegida pelo recife exterior e pela laguna, a massa terrestre foi reforçada com areia, betão armado e tijoleira para resistir a marés vivas e vagas de tempestade. Tecnicamente, não é bem a solução preferida dos ambientalistas, mas o princípio teórico está correcto.

Emissões zero em 10 anos

Planear o êxodo, reforçar os corais, instalar barreiras ou construir ilhas artificiais são todos cenários de facto consumado, mas também há quem acredite que ainda é possível evitar a subida tão radical das águas. Para isso, há que combater o aquecimento global e as Maldivas, reféns da comunidade internacional neste processo, querem dar o exemplo. No prazo de 10 anos, o país quer ser completamente neutro em emissões de CO2 (o gás mais relevante no processo de aquecimento global do planeta), apostando nas energias renováveis.

A confirmarem-se os cenários mais negativos, os maldivianos não serão os primeiros refugiados ambientais do mundo - esse estatuto cabe aos habitantes da ilha de Bhola, no Bangladesh. Em 1995, quando as águas avançaram, 500 mil pessoas viram-se forçadas a abandonar as suas casas e propriedades, deslocando-se para o interior do país. Observadores internacionais temem que os efeitos das alterações climáticas venham a generalizar este conceito de refugiado: as pessoas a quem os elementos naturais levaram o passado.

Nas Maldivas, o vice-presidente Mohamed Waheed passeia com o enviado da BBC on-line pelo atol de Maduvari, onde vivem 2000 pessoas. O que era uma estrada pavimentada com três metros de largura transformou-se numa praia lambida pelas águas do Índico. "Há um fenómeno natural de erosão", explica, "mas está a ser agravado pelas alterações climáticas globais." O jornalista pergunta-lhe durante quanto tempo mais se poderá viver na ilha. "Não mais de 20 anos. Depois [os habitantes] terão de a abandonar. As crianças que agora andam na escola primária já não poderão viver aqui."

Este tipo de urgência é enfrentado por várias outras nações, nomeadamente no Índico e no Pacífico, onde muitas ilhas são meras línguas de areia protegidas por barreiras de coral. Com 11 mil habitantes, o arquipélago de Tuvalu poderá ser o primeiro país a desaparecer - as marés vivas, com vagas de três metros, submergem regularmente parte do território. Já há planos para uma mudança em massa rumo à Nova Zelândia.

A lista de zonas ameaçadas no curto/médio prazo alarga-se às ilhas Salomão, Nova Caledónia, Kiribati e Fiji, mas também a partes da Papuásia-Nova Guiné, ilhas Marshall e vastas áreas continentais mais sensíveis. Sem sair da região dos oceanos Índico e Pacífico, há um caso particularmente sensível: se o nível das águas subir um metro, um quinto do Bangladesh (com 154 milhões de habitantes, o sétimo país mais populoso do planeta) ficará submerso.

Corrida à ilha artificial

Por enquanto, a imagem que temos de reter das Maldivas é a de um dos últimos paraísos da Terra. Praias de areias brancas, águas cristalinas e quentes, palmeiras e muito sol são os ingredientes mais do que necessários para cativar turistas do mundo inteiro. Ainda sem números que possam atestar os efeitos da crise económica mundial, os dados disponíveis mostram que o arquipélago foi visitado em 2007 por 450 mil cidadãos estrangeiros, um número mais do que suficiente para fazer das Maldivas o país com o Produto Interno Bruto (4604 dólares per capita) mais elevado da Ásia meridional.

Isto explica que vá havendo dinheiro para poder planificar um êxodo total da população ou pôr em prática projectos impressionantes como Hulumale, uma iniciativa do anterior Presidente, o ditador Maumoon Abdul Gayoon. Aqui, num local que se propõe vir a receber 150 mil pessoas num futuro próximo, há avenidas largas, infra-estruturas construídas de raiz e espaço, pelo menos algum espaço, relata o enviado do jornal espanhol El Mundo.

A corrida por um dos lugares na nova ilha é feroz. Quem tem dinheiro para comprar o direito de superfície (às vezes é alugado pelo dobro do preço), doentes que precisam de habitar na ilha onde fica o melhor hospital e famílias com filhos estão no topo da lista de prioridades. A lista de espera é enorme. Mas haverá dinheiro para prosseguir com esta política de investimentos públicos?

A resposta é clara: não. O paredão de Malé (que salvou a capital do tsunami de 2004) só foi construído graças a uma doação de 50 milhões de euros vinda do Japão e o esforço financeiro para levantar Hulumale das ondas (foi - mal - projectada para ter dois metros de altura e terá de ter três para assegurar a sua viabilidade nos próximos dois séculos) secou os cofres do Estado. Já de si esforçados para garantir o funcionamento da infra-estrutura básica do país - por ser um arquipélago de ilhas pequenas (por vezes, não mais do que a área de um campo de futebol), as Maldivas têm de consignar algumas a usos exclusivos: há uma que serve de aterro sanitário, outra destinada aos depósitos de petróleo, outra ainda alberga a prisão (onde o actual Presidente esteve detido por 18 vezes, por se opor ao regime anterior).

Como uma Atlântida moderna, a paradisíaca nação do Índico corre o risco de desaparecer sob as águas. A diferença é que a catástrofe está anunciada. Um anúncio turístico, entretanto retirado por ser considerado alarmista, dava-se mesmo ao luxo de fazer humor com a situação. "Venha visitar-nos, enquanto ainda estamos por aqui."

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