Torne-se perito

A publicidade não gosta de homossexuais?

Será que o encerramento da revista gay Com' Out prova que a publicidade discrimina em função da orientação sexual? Os responsáveis pela publicação dizem-se vítimas da crise e dos preconceitos dos anunciantes. Mas quem conhece o meio publicitário diz que o problema está na homofobia dos consumidores e na qualidade da publicação

Bruno Horta

a Ao fim de oito meses e outras tantas edições, desapareceu a única revista gay periódica em Portugal. Os assinantes da Com' Out começaram a ser informados do encerramento na semana passada, através de e-mail, quando a edição de Março já estava praticamente pronta. Os custos de impressão e de distribuição daquele que, a sair, seria o derradeiro número não justificavam o investimento e a suspensão imediata foi a solução. "As perdas da revista eram já bastante pesadas", resume Elisabeth Barnard, directora da Com' Out e sócia única da Joeli Publishing, empresa proprietária.Duas razões tornaram a Com' Out inviável, de acordo com aquela responsável: a crise, que dificulta a captação de publicidade, e a homofobia por parte das marcas, que se recusavam a comprar espaço publicitário numa revista de temática homossexual. "Alguns anunciantes não queriam associar-se ao segmento de mercado gay e ora assumiam que não queriam, ora contornavam com desculpas", acusa Elisabeth Barnard.
Será que a publicidade em Portugal (e os departamentos de marketing das empresas) têm preconceitos sobre a orientação sexual dos consumidores?
Paulo Côrte-Real, presidente da ILGA, associação de defesa dos direitos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros), acredita que sim. "Não me surpreende nada que tenha sido isso que levou ao fim da revista. Há homofobia na sociedade portuguesa, incluindo nos anunciantes." Um publicitário contactado pelo P2, que prefere não ser identificado, garante que, "mesmo em Portugal, o mercado gay é um nicho monstruoso e um alvo apetecível para marcas de turismo, de produtos de beleza e moda". Por isso, levanta a dúvida: "Se houvesse graves problemas de publicidade na Com' Out, a revista não teria durado oito meses".
Ao contrário do que acontece nos EUA, onde há estudos sobre quanto vale o mercado gay (e há até empresas especializadas em publicidade gay, como a nova-iorquina Prime Access), em Portugal isso nunca foi estudado. O P2 contactou publicitários e empresas de marketing e publicidade, que não quiseram dar a cara. Esses contactos permitem, ainda assim, chegar à conclusão de que, na hora de escolher os meios mais eficazes para publicitar, as marcas não são movidas por critérios de moralidade ou por juízos de valor sobre costumes. Pensam, sim, no público-alvo e na melhor forma de comunicar os produtos. Escolhem os meios que lhes dão garantias de maior audiência e eficácia na transmissão da mensagem. As grandes marcas costumam fazer campanhas à escala global, mas muitas vezes são os departamentos de marketing das filiais de cada país que decidem onde publicitar. No caso de uma revista, o que conta é a tiragem, a audiência, a qualidade da publicação e a afinidade que os produtos anunciados possam ter com os leitores-padrão.
"As empresas podem não querer publicitar numa revista gay, tal como não querem, por exemplo, na revista Maria, que por acaso há anos que é um sucesso de vendas. Tudo depende das características de um produto e das características dos leitores do meio de comunicação através do qual se quer comunicar esse produto", diz a responsável por uma associação de empresas de marketing.
Quer isto dizer que nunca há comportamentos homofóbicos na publicidade? Não. Um publicitário garante que "há marcas que não se querem associar a minorias sexuais, porque desconfiam que com isso vão perder a clientela heterossexual". Ou seja, estaríamos perante uma discriminação indirecta, feita por empresas conscientes da homofobia dos seus consumidores preferenciais (sendo certo que, por exemplo, a marca de vestuário Levis já fez anúncios para televisão, que chegaram a passar em Portugal, com casais 'hetero' e 'homo').
A opinião é corroborada por Victor Medina, chefe de redacção da revista gay espanhola Zero. O jornalista reconhece que "a crise económica afectou as marcas de luxo, que são as que tradicionalmente investem" nas revistas gays. Apesar disso, garante ao P2, sem dar exemplos, que actualmente "certas marcas se negam a publicitar". "Creio que na sua maioria o fazem para conquistar mercado num segmento maioritário, isto é, heterossexual, precisamente porque nos últimos anos se associaram muito à realidade gay".
Jantar de amigos
A Com' Out surgiu em Julho do ano passado, sem grande pompa ou circunstância. A ideia tinha nascido poucos meses antes durante um jantar de amigos. Militante assumida da causa gay, falava sobre locais de diversão nocturna, questões políticas, consumo, saúde, beleza e viagens. Miguel Vale de Almeida (antropólogo e activista gay), Sara Martinho (ILGA), João Ferreira (festival de cinema Queer Lisboa), Rita Paulos (associação Ex Aequo) e Luís Grave Rodrigues (advogado) foram alguns dos colaboradores. A revista, com sede em Lisboa, era mensal e tinha uma redacção de dois jornalistas. As cerca de cem páginas mensais falavam exclusivamente para o público LGBT, seguindo o modelo de revistas estrangeiras, como a Zero espanhola, a Out americana ou a Têtu francesa.
A tiragem inicial, de 12 mil exemplares (edições de Julho e Agosto), foi sendo reduzida ao longo dos meses. No número de Fevereiro, o último que chegou às bancas, a ficha técnica refere apenas seis mil exemplares impressos. E o número de páginas de publicidade nunca foi além das dez.
Quanto a vendas, Elisabeth Barnard assume que a Com' Out não ultrapassava uma média de duas mil cópias por edição e tinha apenas 150 assinantes em todo o país. "Acho que conseguimos grande notoriedade e audiência, mas poucos eram os que compravam e muitos os que liam o exemplar do amigo", diz.
Em Espanha, a Zero, que existe há onze anos e é de âmbito nacional, começou por vender dez mil exemplares e hoje chega aos 50 mil, informa Victor Medina.
À parte a questão da homofobia, outros factores podem ter contribuído para a suspensão da revista. O receio que muitos leitores tinham de pedir a revista nas bancas, por isso poder denunciar a sua sexualidade, é um deles - factor referido por Elisabeth Barnard. E há mais três, discutidos com muita frequência nos blogues e nos fóruns da Internet: a deficiente distribuição, que deixava muitas zonas do país sem acesso à revista, o elevado preço de capa (4,50?) e as gralhas e erros ortográficos nos textos publicados.
Um dos publicitários explica que, em abstracto, a falta de qualidade dos textos de uma publicação tem muito peso para os anunciantes. "Se um canal de comunicação de um produto é bom, mas apresenta deficiências, isso desmotiva as marcas, que não estão para gastar uns milhares de euros numa página de publicidade que está rodeada por conteúdos fracos".

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