Tiago Outeiro Quer ser reconhecido no mundo pelo seu trabalho
Era muito verde quando terminou a licenciatura. Mas depois de um trabalho de doutoramento a estudar o Parkinson, oito anos nos EUA e vários artigos publicados, ele trouxe para Portugal um modo de estar na ciência que começa na bancada e acaba no público. Afinal, há uma missão...
Há mérito próprio ou pelo menos Tiago Outeiro concede que há escolha. Apesar de a carreira científica se construir por etapas que parecem inevitáveis e que vão automaticamente, "mesmo sem procurarmos, criando alguma projecção", o que se alcança também "depende de as pessoas quererem envolver-se mais em determinadas causas ou não", explicou o investigador. Só assim é que se compreende a vida profissional do especialista em Parkinson: mais de duas dezenas de artigos científicos publicados - alguns na Science e Nature -, quase uma década a fazer ciência fora do país, um grupo de investigação de 11 pessoas no Instituto de Medicina Molecular (IMM) em Lisboa, a fundação de uma empresa portuguesa de biotecnologia e a participação em outra norte-americana, uma posição como professor convidado na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, a participação no jornal de divulgação científica Ciência Hoje como subdirector e a vice-presidência do Fórum Internacional de Investigadores Portugueses, tudo isto antes dos 33 anos."Isto surge de forma natural", assegurou Tiago Outeiro, "como várias componentes daquilo que me realiza. Acho que não me sentiria realizado se fosse só investigador, se fosse só docente". O tom e sentido das palavras do cientista são imperturbáveis de tão calmas que saem, como se não permitissem atribuir mérito ao que conseguiu.
Tiago Outeiro nasceu no Porto. O amor pela ciência não surgiu de nenhum motivo especial para além de uma curiosidade interior em compreender a vida. É por isso que a conversa saltou rapidamente para a licenciatura em Bioquímica, onde sentiu pela primeira vez o gosto pela investigação, e depois para a experiência fulcral dos anos seguintes no estrangeiro. Fez o estágio em regime de Erasmus na cidade de Leeds, em Inglaterra, onde conheceu estudantes de todo o mundo e pessoas com quem construiu amizades com quem hoje ainda procura manter contacto, tudo numa altura em que "se pensa menos em trabalho e mais em divertimento".
Posteriormente, a curiosidade levou-o para os Estados Unidos entre 1999 e 2007. Primeiro, esteve em Chicago, onde iniciou o doutoramento que veio terminar em 2004 já em Massachusetts, no MIT; de seguida, foi para Harvard fazer o pós-doutoramento.
Lá de fora trouxe um conhecimento aprofundado em doenças neurodegenerativas, ligadas ao sistema nervoso. Durante o ano de estágio dedicou-se à investigação dos priões, responsáveis pela doença das vacas loucas, no doutoramento começou por investigar a doença dos pezinhos, que tem um impacto enorme em Portugal, e só depois abraçou o estudo do Parkinson, onde descobriu uma relação directa entre o envelhecimento e a doença com importância suficiente para publicar na Science.
Mas houve mais, a cultura norte-americana mostrou-lhe outra responsabilidade que ninguém lhe tinha incutido. "Aprendi com as pessoas com quem estive que é quase uma missão do investigador explicar ao público aquilo que anda a fazer", disse. Porque na ciência usa-se o dinheiro público e "acho que devemos preocupar-nos em explicar às pessoas o que fazemos e por que é que fazemos", defendeu. Segundo o cientista, em Portugal não se dá oportunidade à população de ver o que está a ser feito para que as pessoas possam compreender a relevância das apostas científicas, como os próprios cientistas, muitas vezes com qualidade, têm pudor em mostrar o seu trabalho. "Lá fora, quando as coisas têm impacto e têm valor, as pessoas aparecem e falam e dão a cara por aquilo que estão a fazer", rematou.
Foi com este espírito que há dois anos voltou para Portugal e formou o grupo no IMM. Sempre acreditou ser possível manter a qualidade do trabalho científico em Portugal, o que se comprovou no instituto onde trabalha, mas teve de se reajustar ao ritmo e a uma inércia de um país onde as coisas são feitas com calma porque sim. "Isso para mim não são boas justificações, as coisas não têm de ser mais lentas porque estamos aqui, as coisas podem acontecer à velocidade que queremos que elas aconteçam."
Em geral, a experiência no IMM tem sido "muito positiva", a única coisa de que sente realmente falta é da massa crítica que existia nos EUA, que permitia discutir o trabalho e puxava o nível para cima. "Aqui, não temos quem puxe por nós, temos muitas vezes de ser nós a puxar, faz falta atrair mais gente."
Hoje passa grande parte do dia a gerir um grupo de pessoas. Há um contributo científico muito directo para levar cada trabalho a bom porto e há a burocracia. "Tenho de arranjar dinheiro para as pessoas trabalharem, gasto muita energia nisso." Já conseguiu reunir cerca de 800 mil euros para o laboratório, o que dá para cinco anos de trabalho sem experiências caras, não mais.
Como a vontade é a de continuar a trabalhar em ciência, encontrar financiamento é prioritário. Até porque o saber transversal da biologia, que vai dos genes até ao funcionamento do corpo, está em ascensão, o que torna a investigação na área das doenças degenerativas mais fascinante. "O que me move é área científica", explicou Tiago Outeiro. E concluiu: "Quero ser conhecido pelo trabalho que faço, o meu objectivo é ser uma referência na área a nível internacional." a