"A terra de ninguém" que serve para financiar o Hezbollah e o Hamas
a Iri Melo domina o espírito do lugar. Conhece as manhas do quotidiano. Recorda-se de ver muitos aviões e jipes pretos logo após os atentados do 11 de Setembro. Sabe que o Departamento de Estado norte--americano está permanentemente a exortar o Brasil, o Paraguai e a Argentina a apertarem o controlo da fronteira. "Isto é terra de ninguém, sem lei. Os americanos dizem que até de terrorismo." Da varanda, o luso-descendente toca três países. À frente da casa situada da zona ribeirinha de Foz de Iguaçu, ainda em território brasileiro, o rio Paraná. À noite, o magro braço de água que separa o Brasil do Paraguai serve de ecrã a histórias proibidas. "Tráfico?" Pergunta e responde. "Sim, de tudo, armas, drogas, pessoas." É a tripla-fronteira, terra de expedientes vários. Mais uma vez, o relatório do Departamento de Estado dos EUA voltar a colocar o dedo na ferida: a região é fonte de financiamento para grupos terroristas como o Hezbollah e o Hamas. Sentado no alpendre, Melo vê libaneses, sírios, chineses, paquistaneses, indianos, coreanos. E um imenso corrupio nocturno feito de barcos e gente vestida de negro. "Vejo barcos carregados de armas e drogas, dizem que é para o PCC e o grupo do Rio levarem para as favelas." À entrada de Ciudad del Este, no Paraguai, um assédio: "Dólares?". O homem insiste: "Chicas?". Tem mais ofertas: "Armas, drogas?". A Ponte Internacional da Amizade é mais do que uma fronteira entre dois países, separa dois mundos - Ciudad del Este tem outro ritmo e outras leis, é de outro tempo. Há inúmeros homens armados, sem fardas nem crachás das autoridades.
A zona baixa da cidade tem oito mil metros quadrados e outros tantos milhares de lojas de electrónica - é a terceira maior zona franca do mundo, logo a seguir a Miami e Hong Kong. É poiso ou local de passagem de traficantes - o colombiano Diego Montoya, o Don Diego, tinha aqui uma casa; foi por aqui que Juan Carlos Abadia, o Chupeta, entrou no Brasil; era aqui que Fernandinho Beira-Mar, líder do CV, abastecia de cocaína e armas as favelas do Rio de Janeiro. O agente de turismo Fábio Fonseca notou uma mudança recente. "Agora diz-se que é o PCC que vem aqui abastecer-se, a fronteira será uma placa giratória entre a Colômbia e a Bolívia e o Brasil, entra tudo através do Paraguai, onde quase não há lei." Rumores, ouviu muitos. Que as Forças Armadas Revolucionária da Colômbia (FARC) traficam drogas e lavam dinheiro em conjunto com grupos islâmicos ali instalados. Que os EUA garantem que dali se financia o terrorismo internacional. "Aqui não há Al-Qaeda, mas é provável que os árabes, que têm comércio de tecnologia, financiem os movimentos lá da terra deles."
No centro de São Paulo, Brasil, a rua 25 de Março assemelha-se a uma pequena Ciudad del Este. Centenas de lojas comerciais, barracas, tendas e sussurros de produtos proibidos. É ali que está situada a Galeria Pagé, um centro comercial em forma de labirinto - pela primeira vez, o espaço foi citado pelo Departamento de Estado dos EUA como outra das bases de financiamento do terrorismo internacional. "A 25 de Março, como quase todo o Estado de São Paulo, é 'controlada' pelo PCC", diz Filipe Strauss, do Núcleo de Estados de Violência da Universidade de São Paulo. De acordo com vários relatórios da Polícia Federal do Brasil e da Agência Brasileira de Inteligência, o PCC tem no tráfico de droga e armas e nos sequestros a principal fonte de financiamento. Não se sabe ao certo quantos membros tem - serão milhares.
Criado em 1993 dentro da prisão de Taubaté, a 130 quilómetros de São Paulo, o Primeiro Comando da Capital surgiu para reivindicar melhores condições no sistema prisional. Hoje, o grupo - o "partido", como dizem os integrantes - controla 130 das 144 prisões do Estado. Alcançaram o palco mediático mundial quando, em Maio de 2007, quase paralisaram a cidade de São Paulo - em cinco dias, 57 pessoas morreram, 35 eram polícias, numa onda de motins que envolveu ataques de granada a esquadras. A acção foi supostamente coordenada a partir de uma cela prisional, via telemóvel, por "Marcola", Marcos Willians Herbas Camacho, o líder do PCC. É, aliás, de dentro das prisões que os dirigentes organizam sequestros, planeiam assassinatos, coordenam o tráfico. É também através do cárcere que realizam julgamentos, pelo telefone, à semelhança das sessões sumárias realizadas nas favelas do Rio pelo CV.
"O PCC é bem acolhido pela comunidade, ajudam as famílias com problemas, e o povo, em vez de ir à justiça, liga a um dirigente que 'julga' o caso; a 'pena' é invariavelmente a de morte", esclarece Filipe Strauss. Nos estatutos do PCC constam princípios éticos bem definidos: "O partido não admite mentiras, traição, inveja, cobiça, calúnia, egoísmo, interesse pessoal, mas sim: a verdade, a fidelidade, hombridade, solidariedade e o interesse comum ao bem de todos, porque somos um por todos e todos por um".