Angústia teen regressa a Beverly Hills, 20 anos e muita coisa depois
O sonho americano pode já não estar no código postal americano - 90210 - em que antes moravam as dores de crescimento, as agruras da adolescência e a luta de classes
a Um dos títulos mais esperados da temporada televisiva americana 2008/9 tem o seu próprio código postal. É um número que a geração que era teenager nos anos 1990 nunca esqueceu: 90210. É uma revisitação de Febre em Beverly Hills com alguns nomes do elenco original. A julgar pelos números, dir-se-ia que parte dos espectadores que regressaram a 90210 à procura de Febre em Beverly Hills debandaram após os primeiros episódios. O que é que o bairro rico de Los Angeles ainda tem para oferecer às audiências? Brenda, Brandon e Kelly voltam, com mais uns anos em cima e com papéis diferentes. Shannen Doherty continua a ser a mimada Brenda; Jennie Garth mantém-se como Kelly, agora orientadora escolar e mãe; e Jason Priestley, o antigo Brandon Walsh, está por trás das câmaras, como realizador num dos episódios.
Outro regresso anunciado é o de Tori Spelling (que interpretava a personagem Donna), filha do criador da série que, entre 1990 e 2000, marcou a paisagem televisiva adolescente da mesma forma que Marés Vivas promoveu os fatos de banho vermelhos no mundo inteiro.
Mas em 2008/09, a história é outra. Ou... não. Uma família, os Wilson, muda-se do centro do país para Los Angeles. Dois filhos, uma rapariga, Annie, e um rapaz, Dixon. Já não são gémeos. Ele é adoptado e afro-americano. Vão para o liceu de West Beverly e metem-se em problemas com copianços, arranjam gravidezes indesejadas, assistem a querelas entre amigas por causa de rapazes, conhecem filhos mimados e mal amados, confrontam-se com divórcios e pais ausentes. Ou seja, na costa oeste, nada de novo. O que pode resultar.
Estrelas adolescentes
Há quase 20 anos resultou para a Fox, na altura um canal em apuros. Criaram-se estrelas adolescentes de consumo planetário e inaugurou-se com pompa e omnipresença o género das teen-soaps com honrarias de horário nobre.
Agora, para o regresso de 90210, o canal de cabo CW tinha muito a seu favor. O argumentista inicial foi Rob Thomas (Veronica Mars - Fox Crime) e os guionistas que lhe sucederam são Gabe Sachs e Jeff Judah (Freaks and Geeks; Life as We Know It). E o actor Tristan Wilds, o rapaz Wilson, vem da aclamada série Sob Escuta (Mov), o que perfaz uma ficha técnica com pedigree q.b.
A curiosidade bastou para dar cerca de cinco milhões de espectadores à estreia de 90210, a mais vista de sempre do canal (que este ano tem o seu futuro em risco).
Exultante com os números, o presidente do CW para a área de entretenimento dizia ao Hollywood Reporter: "Acho que esta série vai embeber o zeitgeist [o espírito dos tempos]". Mas duas décadas depois, que tempos são esses? É que 90210 pode ter uma blogger coscuvilheira (a meia-irmã de Kelly), mas a série mais falada pelos mais jovens nos EUA envolve outra Gossip Girl (AXN) - também um produto do CW.
Nos anos 1990 e sem concorrência à altura (em termos de produtos de massas), o típico folhetim do protagonista fora do seu elemento, do ricos versus pobres no rescaldo do movimento yuppie e a roçar a emergência do grunge como fenómeno da cultura juvenil, resultou gloriosamente em termos de audiências globais. Criou espaço para tudo o que hoje povoa a paisagem audiovisual em termos de narrativas ancoradas na idade do armário. Mas se este regresso a Beverly Hills criou expectativa e garantiu uma estreia vencedora, também originou um chorrilho de críticas negativas e o abandono de perto de um terço da audiência ao longo da temporada.
É que o fascínio teen é mais difícil de saciar. Febre em Beverly Hills não era um produto perfeito. Mas, como escreveu a Variety após ver o primeiro episódio (duplo), fenómenos como uma tal de Paris Hilton, à boleia da cultura paparazzi global e instantânea e de séries de fake-reality como The Hills (MTV) já satisfizeram a curiosidade do mundo sobre Los Angeles e as suas colinas cheias de dinheiro e gente bonita.
Aristocracia europeia
Na televisão, o interesse voltou-se para o old money, o mais próximo que há para os americanos da aristocracia europeia - reside em Manhattan, vive entre os muito ricos, muito fashion e muito high-tech, com um pé nos blogues e sms e outro nuns saltos altos Chanel.
Pense-se em Gossip Girl (cujas audiências foram crescendo nas suas duas temporadas e que tem uma elevada taxa de visionamentos diferidos, na web ou por gravação) e mesmo na cancelada série Sexo, Dinheiro e Poder.
O sonho americano pode já não estar no código postal americano em que antes moravam as dores de crescimento, as agruras da adolescência e a luta de classes. Esse espaço é agora muito disputado entre séries e celebridades-reality.
Lá residem os cirurgiões plásticos de Nip/Tuck, talvez à espera de ocupar o lugar do reality-doctor Dr. 90210 (canal E!), sempre disponível para uma consulta para as reality-estrelas de The Hills.
A viajar no sentido contrário só mesmo Jack Bauer, que trocou a costa do Verão eterno por 24 horas em... Washington. Os tempos são mais sérios e a costa leste, de Miami à capital, é que está a dar (audiências).