Electricidade sem fios: prioridade é carregar telemóveis, electrodomésticos terão de esperar
Teoricamente, é admissível todo o tipo de aplicações futuras da transmissão eléctrica sem fios, mas a prioridade está a ser dada ao carregamento remoto de telemóveis e dispositivos electrónicos do mesmo tipo, segundo investigadores contactados pela Lusa.
De acordo com Nuno Borges Carvalho, docente da Universidade de Aveiro (UA) e investigador do Instituto de Telecomunicações, várias empresas "start-up" nos Estados Unidos estão a trabalhar em projectos para carregar telemóveis e acender lâmpadas à distância, sem necessidade de fios, mas não passam de protótipos.
Até no Departamento de Electrónica, Telecomunicações e Informática da UA há uma tese de mestrado em preparação que projecta acender uma lâmpada de 60 watts a uma distância de dois a três metros. O autor planeia ter em Julho um protótipo demonstrável.
Um dos projectos em estudo nos Estados Unidos visa encastrar antenas nas paredes de uma sala para carregar os telemóveis que se encontram no seu interior, mas um dos problemas que levanta é saber se a frequência necessária é nociva à saúde.
Outra ideia é a criação de pequenas plataformas de formato A4, com bobinas, onde se poderiam colocar dois ou três telemóveis a carregar por ressonância magnética, sem necessidade de carregadores.
Na perspectiva de Nuno Borges Carvalho, deverá ser possível dentro de dois a três anos carregar telemóveis ou MP3 por transmissão de energia sem fios.
Com um pouco mais de tempo, cinco a seis anos, será eventualmente possível concretizar outro cenário em que os norte-americanos estão a pensar: tirar os cabos eléctricos do monitor, do teclado e todos os periféricos do PC, acrescentou.
Outro conceito em que estão a trabalhar universidades norte-americanas seria colocar um satélite fora da atmosfera que colectaria energia solar e a enviaria por transferência "wireless" para uma central em Terra, que depois a distribuiria.
A ideia da transmissão de energia sem contacto vem de finais do século XIX, quando o sérvio Nikola Tesla conseguiu pela primeira vez libertar electrões no ar e enviar energia a alguns metros de distância.
Esse sérvio nascido na Croácia, que emigrou para os Estados Unidos, chegou a pensar que poderia enviar energia para todo o planeta a partir de uma grande torre, mas na altura os poderes económicos e militares estavam mais interessados no envio de informação à distância e sem fios do que no envio de energia.
Curiosamente, é também um jovem físico sérvio da Croácia, Martin Soljacic, que está hoje a dar brado no Massachusetts Institute of Technology (MIT) com protótipos capazes de enviar energia com algumas dezenas de megahertz de frequência, a distâncias visíveis, de alguns metros, através de grandes bobinas.
"O princípio é o mesmo de Tesla, ou seja, regular a indutância mútua e atingir uma ressonância entre duas partes do circuito", explicou à Lusa o investigador português de origem búlgara Stanimir Valtchev, do departamento de Engenharia Electrotécnica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.
As energias de mais alta frequência são mais direccionáveis e com uma antena é possível enviar energia a uma certa distância.
Nos anos 1960, na então União Soviética, foi possível enviar energia de entre 200 e 300 watts, com alta frequência, para um modelo de helicóptero não tripulado a uma distância de 200 metros, recordou este investigador.
Em comparação, um electrodoméstico normalmente exige kilowatts.
"Quando pensamos que vamos enviar energia à distância temos de olhar para as pessoas que vivem no mesmo espaço, já que uma frequência muito elevada aquece todos os materiais orgânicos que têm alguma água", disse Valtchev.
Por outro lado, para baixas frequências é preciso um campo magnético também bastante forte, que todavia perde intensidade com a distância.
"Não se deve prometer grandes coisas, existem possibilidades, mas não assim são tão grandes", advertiu.
No MIT foi já possível acender uma lâmpada de 100 watts a dez metros de distância, mas para enviar a energia necessária são precisos meios bastante volumosos.
O problema é enviar a energia a essa distância com um rendimento razoável, segundo os investigadores.
Para Beatriz Borges, também investigadora do Instituto de Telecomunicações e docente no Instituto Superior Técnico, o problema é que a transmissão de energia sem contacto é ainda pouco eficiente e, por isso, o seu impacto industrial não é muito grande.