Elisa Ferreira, a conciliadora que é capaz das grandes rupturas, avança para o Porto
Sem cartão de militante do PS, a eurodeputada construiu um currículo que ultrapassa as fronteiras partidárias
A Elisa Ferreira nunca precisou de "passar por metamorfoses". Afirmou-o, numa recente entrevista, ao falar do seu FC Porto, o clube por quem torce, cachecol ao pescoço, sempre que se junta anonimamente aos adeptos mais ferrenhos do clube das Antas. A candidatura, como independente pelo PS à presidência da Câmara do Porto, estava em marcha. A frase é todo um programa do seu percurso de vida, profissional e político. Quando hoje José Sócrates, na Alfândega do Porto, proclamar o seu apoio à candidata que terá porventura pela frente o mais difícil combate eleitoral do PS nas próximas autárquicas - derrubar a maioria PSD/CDS, liderada por Rui Rio -, para trás ficou aquilo que muitos, no PS, consideravam inultrapassável: o antigo conflito entre a ministra do Ambiente do primeiro Governo de António Guterres e o seu secretário de Estado. Nem mais, nem menos do que José Sócrates.
"Ele tinha sido o porta-voz do PS para o Ambiente e nunca compreendeu porque é que Guterres tinha escolhido Elisa Ferreira, uma independente, para ministra. Até porque não lhe reconhecia especial competência para o cargo", explica um amigo de ambos. Ela resistiu - um traço de carácter de que aliás se orgulha e que diz ter recebido da educação, austera, do pai. A meio do mandato, Guterres chamou José Sócrates para a Presidência do Conselho de Ministros; Elisa cumpriu o mandato de quatro anos. Reeleito Guterres, foi transferida para o Ministério do Planeamento e José Sócrates chegou, finalmente, a ministro do Ambiente. E quando Sócrates chega ao poder no PS, Elisa apoia Alegre e distancia-se do novo secretário-geral. O tempo fez sarar as feridas.
Economista, 53 anos, casada, duas filhas, Elisa Ferreira assume-se como uma "conciliadora", mas capaz, também, de "grandes rupturas". Antes de chegar ao Governo deu disso prova. Saiu, com estrondo, da vice-presidência da AIP (Associação Industrial Portuense), um cargo que ocupou entre 1992 e 1994, em rota de colisão com o então presidente Ludgero Marques. "O próximo [vice-presidente] é do PSD e não engravida", vaticinou, quando foi confrontada com declarações de Ludgero de que ela não estaria muito disponível para o cargo que ocupava. A profecia cumpriu-se. "Tinham visões estratégicas diferentes para a instituição, mas ela, que gozava uma licença de parto, não consentiu que pusessem em causa a sua competência profissional", revela um seu velho compagnon de route.
Oriunda de uma família da média burguesia portuense, Elisa Ferreira licenciou-se em Economia pela Universidade do Porto. E foi notada. O social-democrata Silva Peneda, que então era vice-presidente da CCRN, convidou-a para consultora deste organismo do Estado, que era presidido por Valente de Oliveira. Foi assim que se forjou a chamada "escola da CCRN", onde conviveram ilustres sociais-democratas e socialistas, alguns dos quais passaram também pela Universidade de Reading, em Inglaterra, onde Elisa se doutorou, em 1985. Neste último grupo incluem-se figuras como Arlindo Cunha, António Neto da Silva, Abílio Cardoso (que já faleceu e que foi um dos principais assessores de Fernando Gomes na Câmara do Porto), António Taveira ou Paula Santos, actual secretária de Estado da Cultura. Um cadinho de relações profissionais no qual se construíram, também, cumplicidades que muitos auguram como preciosas para a difícil campanha eleitoral que se avizinha.
A esta influência alia-se a um currículo profissional que abre portas a relações empresariais e institucionais que estão muito para além da fronteira do concelho do Porto. Foi presidente da Comissão Integrada de Desenvolvimento do Vale do Ave, no Governo de Cavaco Silva. Enquanto ministra do Planeamento estruturou a gestão do III Quadro Comunitário de Apoio, apoiando projectos como Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura e Metro do Porto. Deputada à Assembleia da República entre 2002 e 2004, Elisa partiu nesse mesmo ano para Bruxelas. Mas faz agora do Porto "a sua maior causa". Contra um Rui Rio que terá um das suas mais difíceis provas de fogo no próximo combate autárquico. Perante isto, há quem diga que a maior debilidade desta independente poderá estar mesmo no PS.