O regresso do vendedor de sofás
Se as sondagens estiverem certas, Benjamin ("Bibi") Netanyahu será de novo primeiro-ministro de Israel. Quem é este homem que trocou um emprego bem pago de consultor em Boston para trabalhar numa empresa de mobiliário em Telavive, onde o foram buscar para ser "príncipe", e agora rei, do Likud?
a Em 1996, os israelitas deitaram-se com o veterano Shimon Peres e acordaram com o inexperiente Benjamin Netanyahu como primeiro-ministro eleito. Este ano, a incerteza volta a pairar num país onde as sondagens têm sido pouco fiáveis: será que a noite da próxima terça-feira é de "Bibi" mas a manhã de quarta, dia 11, é de Tzipi Livni?Como "número um" ou "número dois", as eleições deste mês marcarão o regresso ao poder do líder do Likud, o primeiro sabra (nascido em Israel) a tornar-se chefe de Governo e o mais jovem político a assumir o cargo - em 1996 tinha 37 anos.
Apesar de já não ser um novato - em Outubro completa 50 anos -, Netanyahu continua a ser uma figura intrigante, dentro e fora do seu país. Quando, surpreendentemente, derrotou o trabalhista Peres, depois do assassínio de Yitzhak Rabin por um extremista judeu, os jornalistas Orly Azula-Katz, Anat Meidan e Rami Tal, do diário Yedioth Ahronoth, e Biranit Goren, do semanário Kol Ha'ir, foram investigar a sua vida e ficaram fascinados com o que (não) conseguiram descobrir.
O que se sabe: "Bibi" nasceu em Telavive em 1959. É neto de imigrantes judeus lituanos - o avô paterno mudou o apelido Mileikowsky para Netanyahu ("dado por Deus", em hebraico) quando chegou à antiga Palestina em 1920. O pai é Benzion Netanyahu, especialista em História Medieval e discípulo do ideólogo sionista Ze'ev Jabotinsky. O irmão é Yonatan Netanyahu, um "herói e uma lenda" - morreu durante a célebre Operação Entebbe (Uganda), para resgatar os reféns de um avião sequestrado por guerrilheiros palestinianos, em 1976. Todos estes familiares moldaram o carácter nacionalista de "Bibi", também ele um brilhante comando da principal unidade de elite do Exército, Sayeret Matkal.
Embora o seu pai fosse um ardente defensor do "Grande Israel" (dizia que não podia haver compromisso e que os árabes só entendiam a linguagem da força), "Bibi" confessou que Benzion, editor da Enciclopédia Hebraica, não queria que ele seguisse a carreira política. A sua obsessão era o conhecimento e neste campo o filho não decepcionou. Teve sempre as notas mais altas, excepto a uma disciplina: música.
Quando Benjamin tinha 14 anos, os pais mudaram-se para Filadélfia, nos Estados Unidos. O filho foi matriculado no Liceu de Cheltenham - uma das mais competitivas escolas da América. Com saudades de Israel, servia à mesa em restaurantes para ganhar dinheiro que lhe permitisse passar as férias de Verão em Jerusalém. Adorava ir para os kibbutzim, comunidades geridas segundo um modelo socialista, onde fazia tudo para trabalhar mais que os amigos.
Agente da CIA ou do FBI?
Em 5 de Junho de 1967, começou a "Guerra dos Seis Dias". Benjamin Netanyahu, um excelente aluno e jogador de basquetebol, faltou à sua cerimónia de formatura e ofereceu-se como voluntário para combater nas Forças de Defesa de Israel (IDF). Como soldado, chegou à patente de capitão na Sayeret Matkal. Participou numa série de operações secretas e foi ferido quando lutava contra piratas do ar que haviam desviado um avião da transportadora belga Sabena. No Canal do Suez, quase se afogou, ao tentar nadar com a sua pesadíssima metralhadora, debaixo de fogo egípcio.
Depois de cinco anos como oficial do exército, regressou aos EUA. Formou-se em Arquitectura no Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde terminou a licenciatura em dois anos e meio - "Ninguém conseguiu isso antes ou depois dele", sublinhou Leon Garviser, um dos seus professores, citado pelo jornalista Barry Chamish, editor da publicação Inside Israel. "Bibi" também estudou Ciência Política na Universidade de Harvard, mas interrompeu o curso para voltar à guerra, do Yom Kippur, em 1973.
Combateu na Península do Sinai, no Egipto, e quando regressou à América era um indefectível activista por Israel. Essa militância chamou a atenção de Collette Avital, que haveria de ser embaixadora em Lisboa e na altura era cônsul em Boston. Foi ela, uma trabalhista nomeada pelo governo de Peres e Rabin, que organizou o primeiro debate televisivo de Netanyahu. Foi com Edward Said, o mais prestigiado académico palestiniano, conselheiro da OLP até à ruptura com Yasser Arafat, em 1993, após os Acordos de Oslo (a que "Bibi", por outras razões, também se opôs).
A morte do irmão Yonathan na Operação Entebbe obrigou Benjamin a desistir dos planos de ser arquitecto, escreveu Barry Chamish. Optou por um mestrado em Administração de Empresas e aceitou um emprego no Boston Consulting Group, com um salário de 100 mil dólares anuais. Subitamente, decidiu ir trabalhar para uma empresa de venda de mobiliário em Israel, a ganhar um quarto do que auferia nos EUA. As razões dessa intempestiva mudança são misteriosas, até porque nunca se chegou a saber por que é que o seu número de segurança social, 020-36-4537, tinha o registo de quatro pedidos de crédito sob diferentes nomes: Benjamin Netanyahu, Benjamin Nitai, John Jay Sullivan e John Jay Sullivan Jr.
A investigação do Kol Ha'ir descobriu apenas que, em Junho de 1973, "Bibi" pediu a um tribunal de Boston para se chamar Benjamin Nitai, alegando que preferia um "nome mais curto". O pedido foi aceite - ele tinha dupla nacionalidade. Os restantes nomes permanecem um enigma. A morada que lhes é atribuída, em Malibu (Califórnia), não existe. Requisições de acesso aos seus registos foram negadas como "confidenciais", o que, segundo o jornal, só se aplica a pessoas que trabalhem para três agências federais - FBI, CIA, IRS - ou às que são consideradas terroristas e criminosas. "Como é improvável que Netanyahu pertencesse a estas duas categorias, ou que trabalhasse para o IRS (finanças), talvez estivesse a soldo da CIA ou do FBI."
Embaixador nos EUA
A teoria da conspiração não desaparece e adensou-se quando, em 1979, Netanyahu começou a organizar conferências sobre terrorismo, em Jerusalém, dedicadas ao seu irmão Yonathan. Embora tivesse chamado a atenção de figuras como George H. Bush, George Shultz e Richard Perle (o principal negociador de armas do Presidente Ronald Reagan), quando as palestras terminavam, "Bibi" voltava à venda de móveis e sofás.
Tudo mudou, segundo Barry Chamish, em 1982, quando Moshe Arens, que era embaixador de Israel nos EUA, convidou Netanyahu para seu adjunto. "As pessoas riam-se quando ouviam dizer que eu telefonei para uma fábrica de mobiliário para arranjar um adjunto", ironizava o próprio Arens. "O que me chamou a atenção em 'Bibi' foi a sua capacidade de organizar conferências contra o terrorismo e a forte impressão que ele causou aos líderes americanos que nelas participavam."
Em 1984, Benjamin Netanyahu já era o sucessor de Arens como embaixador em Washington - nomeado por Peres com a objecção de Yitzhak Shamir. Na altura, o líder trabalhista e o do Likud exerciam rotativamente os cargos de chefe de governo e da diplomacia numa coligação de "unidade nacional", depois de eleições inconclusivas. Para Barry Chamish, este foi "o ponto de viragem" na ambição de "Bibi" de ser primeiro-ministro. Um homem sensual e eloquente, tornou-se um frequente convidado nos programas Nightline, de Ted Koppel, e Larry King Live. Por esta altura, Netanyahu já tinha escrito um livro, Terror - How The West Can Win, o que aumentou o seu valor junto da Administração Reagan.
Em 1988, ele já tinha poderosos amigos nos media americanos, com destaque para Charles Krauthammer, do Washington Post, Abe Rosenthal, do New York Times, e Ellie Weymouth, filha de Katherine Graham, directora da Newsweek. No regresso a Israel, "era demasiado poderoso para ser ignorado", comentou Chamish. Foi nomeado vice-ministro dos Negócios Estrangeiros e depois porta-voz do primeiro-ministro, Shamir. Nesta função, quando os mísseis Scud de Saddam Hussein caíam sobre Telavive, em 1991, a CNN fez de "Bibi" uma estrela internacional da guerra contra o Iraque.
Desafiar a velha guarda
Nas primárias do Likud de 1993, Netanyahu já se sentia suficientemente capaz de desafiar a velha guarda. Ganhou a liderança do partido e, em 1996, venceu as eleições. Em 1999, depois de ter desiludido Arens, o seu mentor, e os "príncipes" Benny Begin (filho de Menachem) e Dan Meridor (filho de Yaacov), herdeiros das dinastias fundadoras, "Bibi" ficou sem governo
Em 2000, perdeu a direcção para Ariel Sharon, que ainda assim o convidou para ministro das Finanças. Demitiu-se em 2005, por se opor à retirada unilateral de Gaza, abrindo caminho à cisão que originou a criação do Kadima. Agora, está de volta.
Um dos últimos inquéritos autorizados à opinião pública, publicado na sexta-feira pelo diário Jerusalem Post, dava ao Likud 26 dos 120 lugares no Knesset, contra 23 do Kadima, de Livni. Tendo em conta que há "29 a 15 por cento" de indecisos, a possibilidade de Livni, a "senhora mãos limpas", suceder ao impopular Ehud Olmert não é sequer descartada por personalidades próximas de Netanyahu. É o caso de Gerald Steinberg, presidente do Departamento de Estudos Políticos da Universidade de Bar-Illan, em Telavive. "Um rosto relativamente fresco e não manchado pela corrupção, Livni começou com forte apoio, mas a sua falta de experiência militar é um handicap, sobretudo numa altura em que Israel enfrenta crescentes ameaças", disse Steinberg ao P2, por e-mail. "A sua actuação durante a guerra do Líbano de 2006 e na recente ofensiva em Gaza tem sido muito criticada, mas ainda há a possibilidade de uma vitória surpresa."
Um pragmático e um duro
Para Steinberg, o ideal seria Netanyahu liderar "uma ampla coligação de emergência", que incluiria o Likud, o Kadima e o Labour, "mais alguns partidos sectoriais" (alusão ao Shas, ultra-ortodoxos mizrahim ou judeus de origem oriental, e ao Yisrael Beitenu, dominado por imigrantes russófonos), para "maior estabilidade".
Steinberg não explica, porém, como é que as diferentes agendas podem ser conciliadas. Por exemplo: como vai o secular Avigdor Lieberman (líder do Yisrael Beitenu) impor casamentos civis a que o rabi Ovadia Yossef veementemente se opõe? (O líder espiritual do Shas já avisou os fiéis de que quem votar num partido cujos militantes "comem carne de porco" é "um transgressor cujos pecados jamais serão expiados".)
Aluf Benn, influente colunista do diário Ha'aretz, explica ao P2, por e-mail, por que é que os israelitas voltam a dar o benefício da dúvida a Netanyahu. "Há várias razões. Primeira, ele liderou a oposição a Olmert, um primeiro-ministro detestado. Segunda, ele provou ter razão nos seus avisos de que Israel seria alvo de rockets depois da retirada de Gaza. Terceira, focou as suas mensagens na segurança e na economia. Quarta, foi um eficaz ministro das Finanças durante o governo de Sharon. Quinta, recebeu o apoio de antigos rivais que severamente o criticaram no passado e que agora concorrem na sua lista de candidatos."
Inquirido sobre como definiria a personalidade de Netanyahu, o analista Benn não hesitou em qualificá-lo de "duro e pragmático". Por exemplo, "ele acredita que a retirada da Cisjordânia e dos Montes Golã vai prejudicar a segurança de Israel, mas no passado ele aceitou fazer compromissos em negociações".
Comparado com Sharon ou Olmert, adianta Benn, "Netanyahu é mais culto mas falta-lhe a sensibilidade" dos anteriores líderes. "Sabe como conduzir uma campanha eleitoral mas é inábil no modo como se relaciona com as pessoas - o seu gabinete sempre foi uma confusão de assessores e conselheiros em constante competição. Em todo o caso, foi um bom gestor como ministro das Finanças porque se rodeou de um círculo de funcionários públicos profissionais que o apoiavam."
Sobre um futuro governo de Netanyahu, Benn acredita que ele não terá dificuldade em formar uma coligação de direita ou uma de centro-esquerda, "com o Kadima e/ou o Labour". O primeiro cenário envolve mais riscos porque, "se o processo de paz com os árabes e os palestinianos ganhar ímpeto, a extrema-direita vai abandoná-lo, como aconteceu em 1999". O segundo cenário oferece-lhe a possibilidade de "menor oposição se encontrar um equilíbrio com os parceiros direitistas".
Netanyahu "sabe que o próximo governo de Israel enfrenta dois inimigos: o Irão e a recessão". E quanto a estes dois temas "não há grandes diferenças entre os partidos mainstream do país".
Quanto à eventualidade de um choque com a nova Administração de Barack Obama em Washington - Netanyahu prometeu derrubar o Hamas, continuar a "expansão natural" dos colonatos e comparou o Irão de Ahmadinejad à Alemanha de Hitler -, Benn constata: "Sempre que a América vai para a esquerda, Israel vai para a direita."
"O risco de colisão existe, mesmo que seja uma conveniência política de Obama, que quer mostrar ao mundo que 'ele não é Bush'. Junte-se a isso as nomeações de Rahm Emmanuel [como chefe de gabinete] e Hillary Clinton [secretária de Estado], ambos com más recordações de 'Bibi' do seu anterior mandato [durante as negociações com Arafat, em Wye River]."
"Netanyahu está convicto de que vai conseguir vender a sua 'paz económica' à nova equipa americana", salienta Benn, aludindo à proposta do líder do Likud de "fomentar prosperidade em vez de soberania" na Cisjordânia. "Serão considerações políticas a determinar as relações com os EUA: uma forte pressão americana para a paz israelo-palestiniana deixará uma coligação de 'Bibi' sob uma pressão insuportável."