Num tempo em que tantas misturas musicais soam a falso, por demasiado artificiais ou inúteis, "Fado Mulato" pode cumprir o papel de bálsamo regenerador. Parte do fado e não se afasta dele, até pela escolha da intérprete (Maria João Quadros, fadista de voz granulada e vivida), mas procura assentá-lo em alicerces que se lhe submetem, dando-lhe tons suaves de outras geografias sonoras.
As letras de Tiago Torres da Silva, mentor do projecto, ganham corpo em fados escritos por brasileiros que do fado tinham apenas rudimentos (Ivan Lins, Zeca Baleiro, Chico César, Pedro Luís, Olívia Byington, Iara Rennó, Alzira Espíndola) e dele se aproximam por intuição. A voz, os arranjos e os músicos fizeram o resto, com resultados surpreendentes. Temas como "Fado mudo", "Quando a noite adormece", "Noites perdidas", "Fado mulato", "Vais dizer adeus", "Gente vulgar" ou "Fado escravo" revelam, a cada nova audição, pequenos motivos de encanto. Além deles há, no disco, versões afadistadas de canções brasileiras ("Gota d'água" e "Amor alheio", ambas de bom gosto) e um tema final, "Desamparinho", onde a fadista, nascida em Moçambique, se transfigura em cantora brasileira. O alaúde de Pedro Jóia e a guitarra de José Peixoto, como as vozes de Francis Hime, Tito Paris ou Olívia Byington, ajudam a dar consistência a este objecto deveras singular.