Quando o fim-de-semana tem três dias
"Não é a pílula dourada", não resolve todos os problemas, não se aplica a todas as organizações. Mas concentrar horários e acrescentar uma folga ao fim-de-semana pode deixar muita gente feliz. Na Câmara de Mafra, é assim desde o início do ano. Com as sextas-feiras de "não trabalho", o município poupa cinco mil euros por semana
a Há anos que Amélia Rijo, uma mulher de 40 anos, com três filhos pequenos, não tinha um dia para si. Só para si. Para almoçar com as amigas, se lhe apetecer, para ir às compras, para passear na Baixa de Lisboa. São 11 da manhã de uma quarta-feira, a funcionária está sentada junto à sua mesa de trabalho, na sala ocupada pela divisão de Educação da Câmara Municipal de Mafra, e já só falta um dia e meio para a sua semana de trabalho acabar - enquanto a generalidade dos trabalhadores do resto do país ainda tem dois dias e meio pela frente. "Ah, gosto muito desta ideia!" Suspira. Qual? Não trabalhar à sexta-feira. Ter fins-de-semana de três dias.Dantes, os sábados eram para ir ao supermercado e tratar da roupa, da casa, das crianças. E os domingos faziam-se de uma tentativa apressada de parar e gozar algum tempo livre, de lazer, com a família. Mas passava tão depressa. "E, de repente, já era segunda." E não tinha dado para nada.
Agora, Amélia tem as sextas-feiras para ela porque, desde o início do ano, que os quase 250 funcionários do edifício principal da Câmara de Mafra passaram a trabalhar apenas quatro dias por semana - de segunda a quinta. "A família ganhou. Por exemplo, ao sábado já não vou às compras, que é algo que ocupa imenso tempo, tento fazer isso na sexta. E fico mais disponível."
Outros colegas estão a planear usar as sextas para ir ao ginásio, ao cabeleireiro, para ir à praia no Verão, para dormir até tarde...
Portugal está longe de ser um país com muitos exemplos arrojados de gestão do pessoal, diz Francisco Van Zeller, presidente da Confederação da Indústria Portuguesa. "Não somos aventureiros." Nem interiorizámos ainda a importância da "felicidade no trabalho".
Mas há algumas empresas que, não sendo tão radicais como a Câmara de Mafra, adoptaram há anos medidas para que o fim-de-semana dos trabalhadores também começasse mais cedo.
Na BMW Portugal e na Renault Portugal, por exemplo, os horários semanais foram concentrados de forma a deixar livre as sextas à tarde. Para garantir que esse tempo era mesmo aproveitado, chegou a ponderar-se desligar o sistema informático, conta João Trincheiras, director de comunicação da BMW, onde trabalham cerca de 100 pessoas. Em vez disso, aos computadores que ainda estejam ligados quando já não é suposto estar ninguém no escritório
chegam mensagens como esta: "O que é que ainda aqui está a fazer? Vá para casa."
"Com as sextas-feiras à tarde [livres], as pessoas têm mais tempo para si, estão mais felizes e não tenho dúvidas de que isso se reflecte na concentração no trabalho", defende Ricardo Oliveira, da Renault Portugal. Será este o caminho? Será que as sextas-feiras de trabalho como as conhecemos estão condenadas?
Menos oito toneladas de CO2A nova organização do horário da Câmara de Mafra apanhou todos de surpresa. José Maria Ministro dos Santos, o presidente (eleito pelo PSD) desde 1985, não esconde que tudo começou há alguns meses, quando procurou perceber quanto poderia poupar "num dia de não trabalho".
Fez contas. Por cada sexta-feira em que os Paços do Concelho permanecessem fechados, deixaria de gastar entre quatro mil e cinco mil euros. "Esta poupança tem a ver com a limpeza, a segurança (em vez de três seguranças, que é o que temos quando a câmara está a funcionar, basta um se o edifício estiver fechado), os gastos de energia, ares condicionados, os 50 carros afectos ao edifício que nesse dia não são usados pelos arquitectos, os fiscais..."
O ambiente também ganha: "São quatro dias por mês em que deixamos de funcionar", ao longo de todo o ano. "Significa o não lançamento para a atmosfera de entre seis e oito toneladas de CO2".
De resto, já havia uma experiência para trás. Há três anos, a câmara tinha concentrado o horário semanal dos operários das oficinas municipais em apenas quatro dias (muitos deles têm que deslocar-se pelo concelho; tratava-se de rentabilizar essas deslocações, aumentando o tempo que passavam em cada dia nas "frentes de trabalho", a alcatroar uma estrada ou a arranjar uma ruptura, por exemplo).
Mas, para além da contabilidade dos ganhos, Ministro dos Santos explica que agora queria sobretudo dar resposta a uma preocupação de longa data: "O problema da desestruturação da família", da falta de tempo que os pais têm para os filhos.
Um dia destes, chamou "meia dúzia de funcionários" que trabalham nos Paços do Concelho e contou-lhes o seu plano. Depois de confirmar que havia cobertura legal para avançar, anunciou, já perto do Natal, que, de 1 de Janeiro para a frente, o horário semanal seria concentrado em quatro dias, em vez de cinco. Em vez de começar às nove, o trabalho teria início às 8h45; a hora de saída passaria das 17h30 para as 18h30; o período de almoço seria encurtado. Mas ficariam com a sexta-feira livre.
Ministro dos Santos explicou a sua tese: "Como quase todos almoçam fora, e gastam em média cinco euros por dia, mais as deslocações de casa para a câmara e da câmara para casa, não trabalhar à sexta-feira permite, em média, 500 a 600 euros por ano de aumento... Ou melhor, de não gasto". Para além disso, os funcionários podem organizar melhor a sua vida pessoal e familiar.
Mas há quem veja outras vantagens. António Dornelas, sociólogo do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Lisboa, especialista em relações laborais e políticas de emprego, diz que em empresas portuguesas onde tem sido experimentada alguma forma de "modelação do tempo de trabalho", como na Autoeuropa, tem-se verificado uma redução do absentismo.
Na Câmara de Mafra também se espera que isso aconteça e que os trabalhadores passem a marcar para o dia livre as suas consultas médicas, idas às finanças e afins - em vez de perderem horas de trabalho para tratar de questões pessoais.
"Não é a pílula dourada"
"Não tenho dúvidas de que o exemplo de Mafra possa ser seguido", continua Dornelas. Aliás, a flexibilização de horários é uma tendência na Europa (cerca de metade das companhias europeias com pelo menos dez trabalhadores já tem alguma forma de flexibilização, segundo a Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho).
Mas daí a dizer que as sextas-feiras livres poderão ser a regra, um dia, já é um exagero. "Isto não é a pílula dourada para todas as questões", afirma Felipa Oliveira, manager no Hay Group, uma consultora que tem como missão "ajudar as organizações a funcionar eficazmente". Nem sequer é algo aplicável a todo o tipo de organizações, defende Van Zeller.
"Uma medida como esta tem que estar enquadrada numa estratégia coerente, suportada por outras medidas de organização. Ou seja, não garante só por si a motivação dos trabalhadores", sublinha Felipa Oliveira.
Há, contudo, quem duvide que concentrar o horário em quatro dias seja sequer uma medida "amiga" da conciliação entre vida familiar e profissional. Francisco Brás, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local, é uma das vozes críticas. "Por princípio, somos contra." Tanto mais, explica, quando o método usado em Mafra foi avançar com o novo horário sem ouvir os representantes dos trabalhadores.
Depois, para libertar as sextas-feiras, sublinha o sindicalista, foi preciso "sobrecarregar os outros dias". Alega-se "que assim os trabalhadores têm mais tempo para os filhos", continua. Mas "às sextas-feiras os filhos estão na escola." Por isso Francisco Brás não entende o argumento.
Anália Torres, socióloga, é cautelosa. "Menos dias de trabalho" é igual a "trabalhadores mais felizes"? Duvida. "Tem-se tido um discurso que é: 'A flexibilidade é sempre boa para os trabalhadores'. E não é obrigatoriamente assim." Cada caso é um caso.
Pessoas em diferentes fases das suas vidas (solteiras e em início de carreira, ou com filhos pequenos, ou já perto da pré-reforma, por exemplo) têm necessidades diferentes. "Isto deve ser negociado entre as empresas e os trabalhadores e devem ser respeitados os interesses mútuos."
Comentários jocosos
Van Zeller tem dúvidas sobre a decisão de Mafra. "O que se espera de um serviço público é que também funcione ao sábado e não que deixe de abrir à sexta." Mas Ministro dos Santos está satisfeito. Entende que os munícipes saem a ganhar - ganharam mais duas horas de atendimento entre a segunda e a quinta-feira. E os funcionários andam mais felizes.
Marisa Pinto, secretária de uma directora de departamento, de 33 anos, confessa que lhe custa um pouco ter que deixar a filha de 18 meses mais tempo na creche. "Mas já dantes eu nunca saía mesmo às 17h30, por isso, agora, com o horário de saída às 18h30, a diferença acaba por não ser tanta."
Amélia Rijo reconhece que alguns colegas tiveram de alterar as rotinas. "Mas o concelho tem um bom apoio à família, com horário das escolas alargado até às sete da tarde, por isso quem precisava desse apoio pediu."
"Sei que aqui, na câmara, a medida não foi unânime", diz Amílcar Silva, de 31 anos, assistente administrativo no balcão de atendimento ao público. É solteiro, não tem filhos. "Mas, para mim, isto é vantajoso a todos os níveis. Até do ponto de vista profissional. Dantes havia uma grande concentração de pessoas para atender aqui no balcão às 15h00, que era a hora a que fechávamos. Agora, como estamos abertos até às 17h00, o atendimento acaba por ser mais espaçado e, para os utentes, o tempo de espera diminuiu bastante."
É claro que no concelho se ouvem, aqui e ali, comentários jocosos. "'Se já faziam pouco, agora fazem menos', dizem algumas pessoas na brincadeira. É essa a ideia que, infelizmente, está associada à função pública. Mas, depois de explicadas as vantagens disto, regra geral as pessoas aceitam bem."
No balcão de atendimento, Maria Pinto Leite, uma aposentada de 66 anos, preenche atentamente uns formulários. Foi tratar de uma licença. Pergunta-se-lhe o que acha do novo horário da câmara. Não acha mal. Só tem pena de uma coisa: de no seu tempo de trabalho não ter tido também as sextas-feiras livres. "Era mais feliz, de certeza."