É a segunda longa-metragem de Raquel Freire, depois de "Rasganço". Que era mais interessante. "Veneno Cura" põe em cena, e como que as ampliando, algumas obsessões temáticas e visuais da cineasta, presentes no citado "Rasganço" mas também no seu trabalho anterior (a curta "Rio Vermelho"): a sexualidade feminina, a maternidade, o sangue (e a cor vermelha), o incesto, a doença numa perspectiva psicossomática (espírito e corpo em perfeita unidade e comunicação), e uma espécie de barroquismo sentimental que ampara o excesso através da ritualização permanente.
Junta-se aqui uma relação com a cidade do Porto (terra natal da realizadora), um Porto de "bas fonds" onde se cruza o povo com a burguesia, a faca e o alguidar com o Ferrari e a gravata. Nos traços quase mitológicos dessa relação, mas também pelo lado sanguíneo e ritualizado, "Veneno Cura" sugere que Raquel Freire tem algo a ver com uma descendência de Paulo Rocha, pelo menos do Paulo Rocha dos últimos anos (ou seja, o de "Rio de Ouro", "A Raiz do Coração" e "Vanitas"). Constatar essa hipótese "genealógica" não implica deixar de pensar que "Veneno Cura", assumindo um visionarismo perigoso ("perigoso" porque se dedica a representar o "irrepresentável", como nas sofisticadas "mises en scène" do cabaret/teatro/bordel que é lugar central da acção) e uma sobreposição do "realismo" pelas suas leituras poéticas e pictóricas, está sempre mais perto de se desintegrar do que de se solidificar. No fim, fica a sensação de se tratar mais de um caderno de apontamentos, de uma colecção de esboços (de cenas e de personagens), do que de um objecto pensado (e concretizado) na sua orgânica e nos seus contornos.