Mendelssohn pode ter morrido de amor

Foto

A notícia da hipótese de Félix Mendelssohn (1809-1847) ter morrido em circunstâncias bem diferentes daquelas que estão registadas, e mesmo terse suicidado, levantada ontem pela jornalista e escritora Jessica Duchen no The Independent, virá certamente trazer um suplemento de atenção, e de polémica, à comemoração do bicentenário do compositor romântico alemão.

A história oficial diz que o autor da música para Sonho de uma Noite de Verão (1843) morreu de um ataque de coração a 4 de Novembro de 1847, com apenas 38 anos, sucumbindo à dor da perda, seis meses antes, da sua irmã Fanny, também vítima de crise cardíaca (um mal hereditário, ao que se julga).

Mas as coisas podem não ter acontecido exactamente assim. No jornal britânico, Jessica Duchen escreve que, a crer num documento removido nos arquivos da Royal Academy of Music (RAM), em Londres, as circunstâncias e razões da morte de Mendelssohn podem ter estado relacionadas com uma paixão não correspondida pela soprano sueca Jenny Lind ( Johanna Maria Lind, 1820-1887, imortalizada na galeria do canto lírico como a Rouxinol Sueca).

O que foi agora descoberto nos fundos documentais da instituição londrina foi uma declaração do marido de Jenny Lind, Otto Goldschmidt, depositada em 1896 no arquivo da então Fundação Mendelssohn (que posteriormente passou a acolher a RAM), em que ele confessa ter destruído uma carta do compositor à cantora, porque considerou que ela poderia tornar-se "tremendamente danosa para a reputação" de ambos.

O teor da carta, ainda segundo o testemunho de Otto Goldschmidt - que fora aluno de Mendelssohn e casara com Jenny Lind em 1852, já após a morte do compositor -, seria "uma apaixonada declaração de amor", em que o compositor rogava à cantora que fugisse com ele para a América, ameaçando mesmo suicidar-se, se ela não dissesse que sim. O compositor viria a morrer poucos meses depois.

Ao depositar a sua declaração, Goldsmith estabeleceu que ela não poderia ser aberta num prazo inferior a 100 anos. Ora esse prazo já expirou em 1996, mas a investigação sobre a autenticidade da declaração continua por fazer, o que levou já um biógrafo de Mendelssohn, Clive Brown, que teve conhecimento dos documentos depositados no RAM, a falar de "uma conspiração de silêncio" em volta do seu conteúdo. Citado pela jornalista do Independent, o actual presidente da RAM, Curtis Price, defende também que o assunto justifica "uma investigação séria e aprofundada".

Ainda que a teoria do suicídio do compositor - através da ingestão de veneno, por exemplo - possa parecer demasiado especulativa, ela não deixa de poder pôr em causa a ideia feita de um Mendelssohn com uma vida feliz como marido e pai de família (teve cinco filhos), em simultâneo com uma obra e uma carreira reconhecida no seu tempo, tanto no seu país (foi director do Conservatório e maestro da Orquestra de Leipzig) como na Europa, e especialmente em Inglaterra, onde se deslocou uma dezena de vezes e chegou a ser recebido pela rainha Vitória.

Sobre a relação de Mendelssohn com Jenny Lind (que parece ter despedaçado também o coração de Hans Christian Andersen, que nela se inspirou para escrever o conto Nightingale, 1844), sabe-se que se conheceram em Berlim, em Outubro de 1844, e que com ela se encontrou com regularidade, principalmente em Londres. O compositor imaginou mesmo para Jenny uma ópera baseada na lenda de Lorelei, e dedicou-lhe o solo de soprano da oratória Elias (1846), uma das suas obras mais celebradas. Mas acabaria por (fazer-se?) morrer precocemente, em 1847. Com o "não" da Rouxinol Sueca na alma?

Sugerir correcção
Comentar