Madalena Matoso A ilustração é uma profissão

Prefere desenhar a falar. Tem tanto de talento como de timidez, mas aceitou contar o seu percurso, que se confunde com a empresa onde trabalha: Planeta Tangerina. Ganhou o prémio de melhor ilustração para livro infantil do Festival de BD da Amadora 2008.

Foi à saída do 12.º ano que Madalena Matoso descobriu que se podia ser ilustradora de livros para crianças - e viver disso. "Fui a uma exposição no Palácio Foz e saí de lá com vontade de ilustrar. Eu nem sabia que ilustradora era uma profissão." A mostra a que se refere tinha sido organizada por Maria José Sottomayor, professora de Literatura Infantil da Escola Superior de Educadores de Infância Maria Ulrich, em Lisboa. Se não tem acontecido, talvez não tivéssemos ilustradora. Quando entrou para a Escola de Belas-Artes em Lisboa, escolheu Design de Comunicação. Hoje, por vezes, questiona-se se a opção por Pintura não lhe teria sido mais útil. "Mas eu gosto tanto de pensar o livro no seu conjunto: a ilustração, o grafismo, a paginação, a imagem, a mancha de texto...", vai reflectindo em voz alta.
Ao longo do curso, aproveitou para ir propondo trabalhos académicos já no âmbito da ilustração (para crianças ou não) e assim ir testando técnicas, capacidades e escolhendo rumos. Trabalhou ao mesmo tempo em livros de imagens para a editora Ática. Fez uma pós-graduação em Barcelona "em design gráfico editorial, puro e duro" e participou em ateliers pedagógicos no Centro Cultural de Belém (Lisboa).
Com dois amigos que a acompanham desde o liceu e com ela frequentaram a formação superior, criou mais tarde uma empresa especializada na área da comunicação para crianças e jovens: Planeta Tangerina. São eles: Bernardo Carvalho e Isabel Minhós Martins. Mas nunca deixou de desenhar para outras editoras, como a Caminho ou a Texto.
Vencedora da melhor ilustração para livro infantil do Festival de BD da Amadora 2008 (O Meu Vizinho É Um Cão), Madalena Matoso prefere desenhar a falar sobre o seu trabalho. E sobre si própria. Começa por dizer que não consegue explicar muito bem como é a relação com as narrativas que ilustra, mas logo discorre sobre todo o processo de trabalho.
No primeiro contacto com o texto, toma-lhe o pulso: "Leio e faço uns esboços. Só para perceber o ritmo e pensar na divisão das imagens." Escolhe o que fica e o que sai: "Há sempre a sensação de que alguma coisa importante se deixa pelo caminho. É preciso fazer muitas escolhas." Um dos casos difíceis de selecção de elementos e ideias a ilustrar foi o do livro Quando Eu Nasci (texto de Isabel Minhós Martins). Foram várias as reuniões e discussões até se chegar ao produto final porque aquela narrativa invoca muitos sentimentos. Para o leitor, o livro resulta muito bem. Mas, para Madalena Matoso, ainda persistem dúvidas sobre se aquelas teriam ou não sido as melhores escolhas. "Ainda hoje não sei", diz e encolhe os ombros.
E consegue ilustrar um texto de que não goste? "Consigo. Já o fiz. É um exercício interessante." Mais não conta.
Diz que é bom trabalhar em equipa, mas que também tem prazer em reflectir e decidir sozinha. "No 'planeta' discutimos muito. Como nos conhecemos muito bem e somos amigos, há uma grande confiança e respeito. Dizemos tudo o que achamos realmente." E percebe-se que se ouvem mesmo uns aos outros. Só assim se compreende que, para um dos livros que editaram há pouco tempo, tenham sido feitas quatro maquetas antes da versão final. O livro é Coração de Mãe e o ilustrador Bernardo Carvalho.
"Os nossos livros partem quase sempre de experiências que queremos fazer. Há pouco tempo decidimos criar um livro só com imagens e outro só com caracteres. O Bernardo fez o das imagens e eu, o do texto." Desta experiência nasceu o Trava-Línguas (recolha de Dulce de Sousa Gonçalves). "Desenhei os caracteres, mandei fazer uns carimbos com eles e depois criei imagens só construídas com letras." Com uma série de digitalizações, tratamentos e composições posteriores no computador, o resultado foi um livro graficamente muito original.
A sua opção em seguir artes não teve oposição da família, como às vezes acontece: "Ou por desinteresse ou por confiarem nas minhas capacidades, o problema nunca se pôs. Nunca interferiram." Neta de um casal inglês, Madalena Matoso pensa que o facto de a sua mãe ser educadora de infância terá ajudado nesta vocação em ilustrar para crianças. Embora não pense muito nelas quando está a desenvolver um trabalho.
No entanto, já fez a experiência de dar a um grupo de miúdos o conjunto de ilustrações de um livro e pedir-lhes que imaginassem o que ali se contava. "As crianças chegaram a uma história muito próxima daquela que eu tinha ilustrado."
Tem a preocupação de ampliar o texto ("não quero ser redundante, faço por abrir outras histórias"), gosta de divertir ("sempre que posso, ponho uma nota de humor") e de dar o seu ponto de vista ("quando é caso disso, arranjo uma forma de tomar posição em relação a um ou outro aspecto").
Era um equívoco a afirmação inicial de Madalena Matoso: "Não sou nada boa a falar de mim própria." Enquanto conversou com a Pública, o lápis que tinha na mão foi percorrendo um pedaço de papel. No final, havia um desenho sobre a mesa: um expressivo perfil a carvão. a

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