Morreu Freddie Hubbard, o trompetista que tocou mais depressa, mais tempo e mais alto
Músico norte-americano estreou-se em Portugal
no Festival de Cascais
de 1979. É um protagonista
da história do jazz
do último meio século
a Juventude criativa, energia, velocidade, virtuosismo, inovação, humor, alegria... Mas também dependência do álcool e da droga, e a inevitável inconstância e irregularidade que isso aportou a uma carreira que, mesmo assim, se prolongou por meio século e mais de 300 discos. Foi assim a vida e a obra de Freddie Hubbard (1938-2008), trompetista americano de jazz que morreu na segunda-feira, no hospital de Sherman Oaks, na Califórnia, aos 70 anos, pouco mais de um mês após ter sofrido um ataque cardíaco."Freddie Hubbard sempre permaneceu um jovem do ponto de vista criativo. Foi um grande inovador, mas a sua obra foi afectada pela dependência das drogas", diz José Duarte, que lamenta que a comunicação social só fale dele, "e do jazz", quando algum músico morre.
Este historiador e crítico de jazz foi amigo de Hubbard, e recorda que, como muitos outros amantes de jazz em Portugal, teve de esperar vários anos pela sua primeira apresentação ao vivo no país, no festival de Cascais, nos anos 70. "Ele era sempre convidado, mas atrasava sempre a vinda", diz José Duarte.
Acabou por vir em 1979, recorda, por sua vez, Laurent Filipe, também trompetista, nascido no Brasil mas com uma notória carreira em Portugal. "Em Cascais, toquei mesmo antes dele, e impressionou-me a pujança e o vigor da sua actuação, que foi gravada pela RTP." Mais tarde viria a tocar com Hubbard, em Boston, EUA.
José Duarte guarda ainda a memória de "bons momentos passados" com o músico e compositor no Festival de Óbidos de 2001. Nesta altura, Hubbard tocou também, com o seu The New Jazz Composers Octet, no festival do Seixal, a que assistiu Laurent Filipe. Ambos registam que essa era já uma fase decadente da sua carreira, e ele mostrava-se "muito incapacitado", diz Filipe.
Mas nada disto anula a memória de "um músico genial", que tocou com os grandes da sua época e das gerações anteriores, como Coltrane, Coleman, Monk ou Miles, e que poderia ter sido "chefe de fila e líder de diversas escolas", o que só não aconteceu - explica José Duarte - por causa dos seus problemas com o álcool.
Nova Iorque aos 20 anos
Esta constatação surge também referida nas biografias na imprensa internacional. "Ele tocou mais depressa, mais tempo, mais alto e com mais energia do que qualquer outro trompetista da sua era", disse o seu amigo e empresário, o também trompetista David Weiss (membro do The New Jazz Composers Octet).
Frederick Dewayne Hubbard nasceu a 7 de Abril em Indianápolis, onde fez estudos clássicos e formou a sua primeira banda de jazz, com o irmão e dois amigos. Com 20 anos, rumou a Nova Iorque, onde passou a frequentar o Blue Note e teve um encontro que haveria de marcar a sua vida: numa jam session na casa de Count Basie, no bairro de Harlem, conheceu John Coltrane. O próprio Hubbard descreveu esse momento à revista Down Beat em 1995, agora recordada pela BBC: "O Trane disse-me: 'Por que é que não te aproximas e vamos ensaiar um pouco juntos?' Eu fiquei quase louco. Imagine, eu, um rapaz de 20 anos, ali a tocar com o grande John Coltrane. Ele ajudou-me muito e acabámos por trabalhar bastante juntos."
Do encontro de ambos nasceriam dois álbuns, África/Bass (1961) e Ascencion (1965), a marcar uma discografia que teve um momento alto, em 1972, quando Hubbard viu o disco First Light premiado com um Grammy para a melhor performance dum grupo de jazz. Dessa banda faziam parte os músicos de Miles Davis George Benson e Jack Dejohnette. Mas Freddie emprestou a sua energia portentosa a muitas outras formações, durante cinco décadas.
"A discografia dele quase resume a história do jazz" desse tempo, nota José Duarte, lembrando que ele se tornou principalmente "num músico de estúdio", que "tocava com os músicos disponíveis". Tanto podia apanhar os melhores como os piores.
Entre os discos gravados com os melhores, e seguindo a sua discografia na Wikipédia (o site do próprio músico não está disponível), ainda nas décadas de 60 e 70 estão nomes como Ornette Coleman (Free Jazz, 1960), Dexter Gordan (Doin Alright, 1961), Wayne Shorter (Speak no Evil, 1964), Art Blakey (com oito títulos) e Herbie Hancock (com cinco). E há quase quatro dezenas de álbuns em nome próprio, desde a sua primeira gravação, em 1960, para a Blue Note, Open Sesame, até Live at Fat Tuesday (1992).
Apesar de a sua discografia atingir os 300 títulos, e atravessar géneros do be-bop ao pós-bop, nenhum disco seu foi editado em Portugal. "O jazz continua a ser marginalizado entre nós", lamenta-se o autor de Cinco Minutos de Jazz. Mas fala-se dele sempre que um dos grandes desaparece.
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discos em nome próprio, segundo a Wikipédia, foram gravados por Freddie Hubbard, numa discografia que tem 300 títulos