Tribunal Constitucional dá razão a Cavaco Silva e chumba norma do código laboral
Ministro do Trabalho, Vieira da Silva, que deu a cara pela alteração dos pressupostos
do período experimental, diz encarar a posição do tribunal com "naturalidade"
a O Tribunal Constitucional chumbou ontem o alargamento do período experimental para a generalidade dos trabalhadores de 90 para 180 dias, única cláusula do novo Código do Trabalho que o Presidente da República quis ver fiscalizada. O chumbo acarreta o reenvio do diploma para o Parlamento, impedindo a sua entrada em vigor a 1 de Janeiro de 2009, como previa o Governo. "Tudo aponta para que se volte à situação que existia antes", disse ontem o ministro do Trabalho em reacção ao chumbo. O período experimental é o período durante o qual empregador e empregado podem rescindir o contrato unilateralmente sem qualquer consequência ou ónus. Actualmente, vigoram três períodos: o de 90 dias para a generalidade dos trabalhadores, o de 180 dias para cargos de complexidade técnica e 240 dias para cargos de direcção. O novo Código harmonizou as duas categorias em 180 dias e manteve a terceira.
Ora, os doze juízes do tribunal foram unânimes em considerar que a medida dificultava a segurança do emprego, não possuía razoabilidade e desprotegia os trabalhadores indiferenciados. Os juízes salientam que o período experimental redunda numa restrição ao direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53.º da Constituição. O próprio tribunal já chamara a atenção noutro acórdão para o risco de um prolongamento desse período resultar numa tal perversão que "se teria de considerar estar-se perante uma fixação fraudulenta, forma encapotada de permitir o despedimento sem justa causa".
Neste acórdão, o tribunal lembrou que o alargamento coincidia "integralmente com aquele que vale, também, para os trabalhadores especializados" na lei vigente. Na altura, o ministro do Trabalho alegou tratar-se de uma harmonização. Mas os juízes do TC não encontraram razões para uma harmonização feita "por cima".
"Pela própria natureza das coisas", refere o acórdão, "a 'prova' será tanto menos exigente quanto menos exigente for também, pela sua 'qualidade' ou 'especialização', o teor da prestação de trabalho: prestações menos qualificadas poderão ser testadas ou 'experimentadas' (tanto por empregador quanto por trabalhador) em menos tempo do que as outras, mais qualificadas". Com a agravante de tenderem "precisamente a ser os trabalhadores sem especiais qualificações, ou sem especial autonomia técnica, os mais carentes da protecção do Direito", "os potencialmente mais expostos a situações injustificadas de precariedade de emprego". Qualquer medida "no sentido do aumento da precariedade da sua situação laboral, não poderá deixar de se traduzir numa significativa 'compressão' do bem jurídico protegido pelo artigo 53.º da Constituição".
O tribunal chamou a atenção de que não nada aponta para a necessidade do alargamento de prazo. Nem os livros Verde ou Branco das Relações Laborais (que serviram de base à negociação do acordo), nem a própria justificação de motivos da lei aprovada pelo Parlamento a 7 de Novembro passado.
Não é o fim do CódigoOs dirigentes da CIP não partilham desta opinião. Em declarações ao PÚBLICO, Francisco Van Zeller disse que esta medida vinha sendo preparada de "muito detrás" por académicos e que apareceu num "papel antes da negociação" na concertação social, cuja autoria não se recorda. Mas a questão nunca viria, segundo os dirigentes da CGTP, a ser abordada nas negociações. Para a CIP, a decisão do tribunal coloca em causa e "vicia o sistema negocial" de acordos como o da revisão da legislação laboral, já que podem ser desequilibrados, ao retirar-se uma ou outra "peça". Para Van Zeller, não é o "fim" do Código, mas prejudica a sua aplicação. A negociação colectiva já não se iniciará da mesma forma a 1 de Janeiro, dado o adiamento da entrada em vigor do novo Código.
À frustração dos dirigentes patronais correspondeu o aplauso dos dirigentes da CGTP - única central que não assinou o acordo - e das forças políticas à esquerda do PS. Manuel Carvalho da Silva da CGTP pediu aos deputados que assumam os seus compromissos e solicitem a constitucionalidade da caducidade das convenções colectivas e da harmonia trabalho e vida familiar, prejudicada, na sua opinião, pela flexibilidade dos horários de trabalho.
Já o Governo, nas palavras do ministro do Trabalho, afirmou encarar com "naturalidade" o chumbo. Vieira da Silva deu a cara no Parlamento pelo alargamento do período experimental. Nas audiências de discussão do Código do Trabalho, o ministro argumentou da mesma forma que as confederações patronais: "Vai diminuir o uso abusivo dos contratos a prazo e permitir a entrada dos trabalhadores em regras de maior estabilidade do emprego."