Homossexuais contra Papa por causa da teoria do género
O discurso de balanço do ano tornou-se alvo de críticas severas por parte de associações gay
e de feministas
a Nada de novo no discurso do Papa Bento XVI, mas o suficiente para colocar associações de homossexuais e grupos feministas a criticar o Papa em uníssono: na sua alocução à Cúria Romana, onde faz o balanço anual da actividade da Igreja, Bento XVI condenou a "teoria do género", elogiou a "lei natural" e avisou contra a "autodestruição" do homem. Em causa está a forma como o Papa contrasta a teoria do género e a doutrina da Igreja. No discurso, feito anteontem perante uma plateia de cardeais, bispos e outros importantes membros da Cúria, Bento XVI afirmou: "Não é uma metafísica superada, se a Igreja fala da natureza do ser humano como homem e mulher e pede que esta ordem da criação seja respeitada."
O problema - e a origem das críticas - vem a seguir: "Trata-se da fé no Criador e da escuta da linguagem da criação, cujo desprezo seria uma autodestruição do homem e, portanto, destruição da própria obra de Deus. O que se exprime e entende frequentemente sob o termo de 'gender' [género] traduz-se em definitivo numa auto-emancipação do homem em relação à criação e ao Criador."
Várias associações de homossexuais reagiram ao discurso do Papa, considerando-o um ataque à homossexualidade. Citado pelo The Guardian, Franco Grillini, líder do Gaynet, afirmou: "O que mantém o Papa acordado durante a noite é a ideia de que os seres humanos devem ser capazes de procurar a sua própria identidade sexual na busca de uma vida feliz."
Aurélio Mancuso, da Arcigay, diz, citado pela mesma fonte: "O discurso não tem base científica. Um programa divino para homens e mulheres está em desacordo com a natureza, onde os papéis não são tão claros."
A doutrina católica considera a homossexualidade um desvio, mas apenas os actos homossexuais são vistos como pecaminosos. Na semana passada, o Vaticano pediu a todos os Estados que eliminassem as penas criminais contra os homossexuais.
O porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, declarou ontem que o Papa não desejava atacar a homossexualidade ou as operações de mudança de sexo. "Ele falou mais genericamente das teorias de género que fecham os olhos à diferença fundamental na criação entre homem e mulher e se centram, pelo contrário, no papel das condicionantes culturais."
A teologia católica diz que "a natureza é determinada pelo acto criador", considerando que "há um plano de Deus para o homem", explica Teresa Toldy, teóloga e professora de Filosofia na Universidade Fernando Pessoa. Enquanto a teoria do género considera, embora em diferentes correntes, que "os papéis não são dados pela natureza, mas são uma interpretação cultural dos dados da natureza". É a interpretação radical da frase de Simone de Beauvoir "uma pessoa não nasce mulher, torna-se mulher", acrescenta.
O que diz a teoria
A teoria do género nasceu nos anos 70 nos Estados Unidos e tem sido mais debatida em países como o Reino Unido e a Alemanha - onde nasceu o actual Papa. No seu discurso, Bento XVI acrescentou: "O homem quer fazer-se sozinho e dispor sozinho, sempre e exclusivamente, do que lhe diz respeito. Mas deste modo vive contra a verdade, vive contra o Espírito criador. As florestas tropicais, sim, merecem a nossa protecção, mas não a merece menos o homem como criatura."
Citada pela AFP, Paola Concia, deputada italiana de esquerda e defensora dos direitos de homossexuais, reagiu com outros argumentos às afirmações do Papa: "O mundo atravessa uma crise económica gigantesca", e nas vésperas de Natal "as pessoas precisam de uma palavra de conforto. "Parece-lhe verdadeiramente oportuno falar de 'gender' a todas essas pobres pessoas reduzidas ao desemprego ou em situação precária, que não sabem sequer o que isso quer dizer", perguntava, em carta aberta.
Na semana passada, a mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz referia-se com pormenor à pobreza no mundo e à crise internacional. E, no último mês, Bento XVI condenou por diversas vezes a avidez do lucro que levou à actual crise.
Outras vozes críticas de homossexuais condenam o que consideram as referências do Papa à homossexualidade ou à transexualidade "como se fosse um capricho". Na Grã-Bretanha, Sharon Ferguson, responsável do movimento cristão gay e lésbico, disse que as afirmações do Papa são "irresponsáveis e inaceitáveis".