Equador "ao vivo"
a "Grandiosidade" é a palavra mais utilizada por quem participou no projecto da adaptação à televisão do romance de Miguel Sousa Tavares Equador. Falam da série de 26 episódios que hoje se estreia, às 21h00, na TVI, com muito entusiasmo e referem várias vezes que "nunca se fez nada assim em Portugal" e que esta é "a maior produção de sempre da televisão portuguesa". A expectativa é grande, não só para os que leram e gostaram do romance de Miguel Sousa Tavares, mas também para o autor, que hoje irá sentar-se em frente ao seu televisor, tal como todos os outros portugueses, para ver o primeiro episódio.
Na apresentação do projecto à imprensa, que decorreu há semanas com um jantar na Estação do Rossio, o escritor só tinha visto cerca de um quarto de hora de imagens ainda não montadas. "A fotografia da série é linda", foi a única coisa que lhe conseguimos arrancar em relação ao que viu. "Estou absolutamente seguro de uma coisa: não é possível fazer melhor em Portugal, seja qual for o resultado" que chegar aos ecrãs.
Nessa noite, jornalistas, actores e a equipa de Equador puderam ver imagens e trailers da série mas não viram nenhum episódio completo.
Sousa Tavares participa na série, numa figuração especial desempenhando o papel de Conde de Mafra, seu bisavô, que aparece no primeiro e no quarto episódio. A sua voz também é a do narrador. Isto permitiu-lhe estar com a equipa durante três dias nas cenas de caça. O escritor está contente com o resultado do guião, não tem receio que a obra saia desvirtuada mas também não está à espera que a série seja o Equador tal e qual transposto para o ecrã: uma adaptação é uma adaptação.
Coube ao argumentista Rui Vilhena e à sua equipa transformar as mais de 500 páginas de Equador - que já vendeu 400 mil exemplares em 15 países - num argumento que "será fiel ao enredo original", mas ao qual foi necessário acrescentar novas personagens e plots.
Mas "o livro está todo lá", assegura Rui Vilhena. "Para mim sempre foi muito importante que o Miguel [Sousa Tavares] estivesse confortável com a adaptação e com os plots e as personagens que foram criadas. Por exemplo, no livro há uma cervejaria. Na série, além da cervejaria aparece o dono desta e um ajudante. Na série há mais vida naquela cervejaria, mas tudo o que foi criado tem raiz no livro." Trabalhou em conjunto com um historiador que reviu os episódios.
A história tem início em Lisboa, no final de 1905, quando Luís Bernardo Valença, um solteiro bon vivant, é convidado pelo rei D. Carlos para se tornar governador de São Tomé e Príncipe. Luís Bernardo terá como missão convencer a Coroa britânica de que a prosperidade das roças de São Tomé não se faz à custa de trabalho escravo na ilha. A sua vida mudará quando conhecer a inglesa Ann Rhys-More e o seu marido David Jameson, o cônsul inglês.
Nos principiais papéis estão actores muito conhecidos dos portugueses: Filipe Duarte (Luís Bernardo Valença), Maria João Bastos (Ann Rhys-More), Marco d'Almeida (David Jameson) e Alexandra Lencastre (Maria Augusta). Todos se prepararam o melhor que conseguiram para recuar no tempo; e para construírem as personagens mudaram de visual para serem fiéis à época. Pintaram cabelos, deixaram crescer bigodes e patilhas, aguentaram horas com um guarda-roupa quentíssimo a filmar no Brasil com mais de 40 graus, tiveram lições de dança, montaram a cavalo e Maria João Bastos e Marco d'Almeida, que interpretam britânicos, trabalharam o sotaque.
Como a personagem de Alexandra Lencastre "é muito feia e muito pouco arranjada", a actriz trabalhou o seu lado pouco glamoroso e foi um desafio. Filipe Duarte, que já entrou em outras séries de época, como A Ferreirinha e A Febre do Ouro Negro, adorou a equipa de Equador e quando acabou as filmagens passou por "uns dias de ressaca e de grande solidão". Na rodagem funcionavam como "uma família" andavam sempre juntos, passaram por muitos sítios diferentes, sempre com muito trabalho. "Espero que isso esteja impresso nas imagens", diz. "Quisemos arriscar, deixar um bocadinho de alma nisto para não ser uma coisa puramente técnica. Felizmente correu bem a aventura."
Recriar com a ajuda de 3D
Equador é uma série de época, uma superprodução totalmente filmada em alta definição que envolveu 118 actores, cinco mil figurantes e 420 técnicos. A rodagem obrigou a uma logística e produção complicada porque decorreu em quatro continentes e foi preciso fazer um grande trabalho de pesquisa por causa do rigor histórico.
Além de Portugal, passaram dois meses no Brasil (Cachoeira, Valença e Bananal Paulista) e filmaram ainda na Índia e em São Tomé e Príncipe. Conseguiram imagens inéditas, retiradas de um filme de 16 milímetros de 1890 que fazia parte do espólio do marquês de Valle Flôr e que vão ser utilizadas.
A série foi pensada desde o início para ser distribuída no mercado internacional e André Cerqueira, coordenador do projecto e realizador principal (a série tem três), destaca o trabalho de pós-produção que entre as imagens captadas na rodagem e o grafismo 3D conseguiu recriar "com perfeição" os bailes do Teatro Nacional de São Carlos, a Rua Garrett do Chiado e o Largo de São Paulo, a Lisboa do início do século passado.
Durante a rodagem aproveitaram as modernas tecnologias para ser fiéis no retrato da época. Colocaram "dois gigantes panos croma azuis na fachada dos Armazéns do Chiado e na esquina da Rua Ivens" quando lá filmaram. Esses "enormes rectângulos azuis serão preenchidos em 3D, para que a reconstrução seja o mais fiel possível" - explicam no blogue que mantiveram com o diário das filmagens (diariodoequador.blogs.iol.pt).
Quando começaram a produzir Equador fizeram a promessa de não tentar esconder a actualidade filmando só em escadas e em becos, lugares que poderiam estar mais próximos do que era a paisagem urbana em 1900. "Tínhamos prometido mostrar Lisboa em planos gerais e com toda a grandiosidade da época. Isso torna-se muito mais complicado, deixa de ser só um trabalho de realizador e passa a ser um trabalho conjunto com uma equipa gráfica e de 3D que andava sempre connosco a marcar os monitores", explica Cerqueira.
Optaram por ter uma linguagem diferente da habitual na telenovela e "muito complicada de fazer". "Parei um elenco inteiro durante uma hora e quarenta para esperar o momento certo de luz para filmar uma cena", continua.
"Festa para os olhos"
Para Rui Vilhena, esta série "é uma festa para os olhos". A "grandiosidade" das imagens e a quantidade de figurantes é o que mais o impressiona. "É uma grande produção e tudo isso nos mantém ali, seduzidos, a assistir. É como se estivéssemos na época." Considera-a inovadora na ficção televisiva portuguesa por "ser uma série de época com um certo ritmo e ter uma linguagem de série e não de telenovela".
Miguel Sousa Tavares ainda não viu quase nada, mas tem a certeza de que todos deram o melhor de si e defenderam o seu projecto o melhor que podiam. "Isso para mim, como autor, é a melhor consagração possível."
A série é produzida pela Plano 6 em co-produção com a TVI. Ninguém revela o orçamento. José Eduardo Moniz só diz que "envolveu grande mobilização de capital por parte da TVI e também apoios muito significativos da parte do FICA - Fundo de Investimento para Cinema e Audiovisual".
Mas a revista Sábado, citando um responsável da equipa técnica, divulgou já que Equador custou 5,7 milhões de euros, cerca de 220 mil euros por cada um dos 26 episódios.
Até Amanhã Camaradas, a co-produção da SIC/MGN que é considerada a série mais cara da televisão portuguesa, custou três milhões de euros em 2005. Mas como só tem seis episódios, o investimento por episódio terá sido superior: 500 mil euros.