"As Quatro Estações", de Vivaldi, encontram-se entre as obras mais gravadas da história da música, tendo a sua popularidade conduzido por vezes à sua banalização - da música de elevador aos toques de telemóvel o tema da "Primavera" pode encontrar-se por todo o lado. Existem registos para todos os gostos, com as estéticas mais diversas, em instrumentos antigos e modernos. A visão desta obra acompanhou também passo a passo o percurso das interpretações historicamente informadas, tendo uma viragem importante com as revolucionárias versões do início dos anos 90 por agrupamentos italianos como a Europa Galante ou Il Giardino Armonico. Em teoria parece quase impossível voltar a surpreender com esta obra e apetece perguntar: faz sentido realizar a milionésima gravação de "As Quatro Estações"? A violinista Amandine Beyer está plenamente consciente desta questão e ela própria a coloca nas notas explicativas. Mas basta ouvir alguns compassos do disco para que a resposta seja sim e para constatar o carácter inesgotável da partitura. Não é tanto pela ousadia ou pela enfatização de efeitos bizarros da escrita de Vivaldi (como tem sucedido noutras leituras) que a interpretação surpreende. É antes através da sonoridade magnífica do grupo (com uma transparência de planos muito nítida), da inspiração dos fraseados e da sua fluente respiração, do pulsar dançante do ritmo e de uma qualidade de captação sonora fora do comum, que ficamos presos da primeira à última nota. Para Amandine Beyer foi precisamente o carácter programático ou descritivo das "Quatro Estações" que despertou a imaginação de Vivaldi, levando-o a conceber uma das suas obras mais originais. Também na interpretação é preciso colocar as questões certas decorrentes dos poemas e das indicações que acompanham a partitura. "Como se pode metamorfosear uma viola no ladrar de um cão? Ou dois violinos em moscas? Através de que tipo de harpejo pode o cravo evocar o sono profundo mas atormentado do camponês no Outono?" Sem nunca cair na caricatura e mantendo ao mesmo tempo o equilíbrio e as surpresas da obra, o resultado é uma imaginativa pintura sonora de forte poder evocativo. Com a mais célebre obra de Vivaldi, Amandine Beyer e o agrupamento Gli Incogniti gravaram mais três concertos (RV 578a; RV 372 "Per Signora Chiara"; e RV 390), os dois primeiros inéditos em disco. O Concerto para dois violinos RV 578a é uma versão primitiva do segundo concerto da colecção "L' Estro Armonico", recentemente descoberta. Também aqui a violinista francesa e os seus colegas nos oferecem versões memoráveis e uma abordagem onde o virtuosismo é sempre entendido em função da retórica musical e de um diálogo permanente com a orquestra no melhor espírito da música de câmara.
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