Há filmes em que o produtor é quase tão importante quanto o realizador. Bernd Eichinger, que produziu a "A Queda", filme sobre os últimos dias de Hitler no seu "bunker", é desses casos. Com "The Baader Meinhof Complex" ele volta a olhar para o passado mais sombrio da Alemanha. E como em "A Queda" (2004) não faz apenas produção, escreve também o argumento.
Desta vez fá-lo a partir do livro homónimo de Stefan Aust (até há pouco tempo editor da revista "Der Spiegel"), considerada por alguns a obra mais completa sobre o grupo de guerrilha urbana que nos anos 1970 aterrorizou a Alemanha ocidental, sendo responsável por mais de 40 mortes.
"The Baader Meinhof Complex" é candidato ao Globo de Ouro do melhor filme estrangeiro, prémio entregue pela Associação da Imprensa Estrangeira em Hollywood, estreou em Setembro, na Alemanha, e vai estrear a 29 de Janeiro em Portugal. Na Alemanha provocou alguma polémica, não só porque alguns familiares das vítimas sentiram que o filme não lhes prestava a devida homenagem como porque outros viram nele uma certa "glamourização" do terror - voltou a usar-se a expressão "terrorismo chique", depois de há alguns anos terem aparecido t-shirts com o slogan "Prada Meinhof". Nada que espante o produtor, a quem desencorajaram de fazer os dois filmes, este e "A Queda". "Sempre que se fala do III Reich há polémica."
É um filme cheio de acção, que recorre a uma técnica a que o produtor chama de "drama de fragmentos" - cada espectador constrói o puzzle. A ele juntou-se o amigo Uli Edel ("Christiane F.", "A Última Saída para Brooklyn"), exactamente dois anos mais novo. Conheceram-se nos primeiros dias da escola de cinema de Munique, em 1970. "The Baader Meinhof Complex" não é um filme para competir com Hollywood, disse-nos Bernd Eichinger numa sala de hotel, em Londres, em finais de Outubro. "Não é um filme para competir com Hollywood porque eu faço parte de Hollywood. Faço filmes de acção, comédias, este."
Filhos da geração nazi
Acompanhamos o início da formação dos Baader-Meinhof em pleno espírito de 1968, com Ulrike Meinhof (Martina Gedeck), ainda jornalista na revista de esquerda "Konkret", a fazer os seus primeiros discursos contra a visita do Xá da Pérsia a Berlim em 1967, onde um estudante foi morto pela polícia.
É o retrato de um tempo e de uma geração a lutar contra o "imperialismo norte-americano", na qual os futuros membros das RAF (Red Army Faction ou Facção do Exército Vermelho) ainda são apenas vozes de protesto que querem derrubar o governo da "frágil democracia alemã" ocidental, são apenas "filhos radicais" da geração nazi contra a qual eles lutam.
No princípio do filme o realizador não está preocupado em julgá-los, quer até aproximar-nos do espírito do grupo formado por Ulrike Meinhof, Andreas Baader (os dois apelidos criam então o nome pelo qual as RAF ficaram conhecidas) e pela não menos importante Gudrun Ensslin, considerada a cabecilha intelectual. Ulrike é quase personagem principal aqui: a proximidade ao par Gudrun Ensslin (Johanna Wokalek) e Andreas Baader (Moritz Bleibtreu) e o alinhamento terrorista desta jornalista e mãe de dois filhos que abandona continua a ser misteriosa.
Só mais tarde no filme é que começamos a ver as acções pelas quais os Baader-Meinhof são hoje lembrados: os treinos na Jordânia, os assaltos a bancos, as bombas, as mortes, a prisão e os primeiros ataques daquela que ficou conhecida como a segunda geração das RAF. O filme pára no ano do Outono Alemão, e dá ideia da violência com que este segundo grupo ultrapassou o primeiro, depois dos três líderes terem acabado na prisão (onde se suicidam, primeiro Ulrike, em 1976, no ano seguinte Gudrun e Andreas por causa do fracasso do desvio de um avião da Lufthansa que tinha como objectivo libertá-los). O filme termina, portanto, na altura em que a violência tomou as maiores e mais mediáticas proporções.
Geração pós-guerra
Com 59 anos, Bernd Eichinger produziu o filme que é considerado o mais caro da história alemã. Uma vontade antiga, que na verdade surgiu em 1978, ano demasiado próximo dos acontecimentos - apesar de o grupo só se ter dissolvido oficialmente em 1998, a grande actividade foi nos anos 70.
Desde então, Eichinger tem andado a pensar no filme, até porque este é um tema que o inquieta desde que era estudante em Munique, e teve vários amigos que apoiaram as RAF - o que não era incomum, já que, em 1971, 20 por cento dos jovens alemães com menos de 20 anos tinha uma "certa simpatia" pelo grupo, mostrava uma sondagem do Institut Allensbach. Ele nunca fez parte dessas estatísticas, apesar de ser "fã do movimento de estudantes de 67 e 68, da ideia de se emancipar dos pais e da sua geração". "Nas RAF eles consideravam-se soldados contra o Estado. E na guerra as pessoas morrem." Para alguém que pertencia a "uma geração que era feliz, tinha uma boa vida", foi triste assistir a tantas mortes. E foi duro fazer o filme: "Lembrava-me daqueles tempos... A minha mulher dizia que eu estava em baixo, não conseguia dormir, andava às voltas..."
Escreveu o argumento a partir do livro de Stefan Aust, para ele o que melhor sumariza o que aconteceu entre a formação das RAF, em 1967, e o Outono Alemão, em 1977: o desafio foi condensar dez anos de história num filme. Intenção: criar um filme sem heróis e sem uma personagem com a qual o espectador se identificasse emocionalmente para mostrar apenas os acontecimentos "monstruosos", sem narrativa linear, mas com fidelidade histórica rigorosa. Os diálogos foram baseados em documentos e testemunhas.
Depois de "A Queda", pode-se dizer que este é um produtor interessado em revisitar a consciência alemã. Ele responde: "Faço filmes porque me fascina. Neste caso estava muito interessado em perceber como isto pôde acontecer. Sou da primeira geração pós-guerra, fui confrontado toda a vida com este trauma. Quis saber mais, comecei a ler livros e não queria fazer um filme. Mas de repente senti que queria escrever sobre, quando estava a escrever 'A Queda' senti que tinha que fazer outro filme."
É também uma questão de geração, já dissemos, a dele que acordou politicamente por volta dos anos 1967/68 mas também a de muitos jovens em todo o mundo: "É um fenómeno incrível, da França, da Alemanha, da Itália, da América o ano foi 1968. Porquê? Porque as pessoas cresceram e de repente pensaram: 'Stop'. A diferença na Alemanha é que temos uma memória mais traumática e então alguns tornaram-se terroristas. Se não houvesse nazismo não tinham existido as RAF."
A jornalista viajou a convite da Lusomundo