"É a própria vida que tem de mudar", gritam os jovens gregos

Na Politécnica e na Faculdade
de Direito de Atenas, a nova geração está a descobrir a política através
da raiva e do desencanto

a "Arrivistas de todos os países, liquidem-se!", grita o graffito na parede, em grandes letras negras. "Uma cidade que arde é uma flor que desabrocha", atira um tag na parede em frente, ao lado de outros ainda mais guerreiros: "Quando a cólera se torna ódio, ninguém a pode parar." "Viva a raiva do povo." No coração da Escola Politécnica de Atenas, as paredes tomaram a palavra, com um certo perfume de Maio de 68, mas em versão destruição. Punks com piercings e hooligans tatuados guardam a entrada, ao lado de estudantes vestidos com casacos de capuz, mas de marca. Cabelos soltos sobre os ombros, Yannis aquece-se aos primeiros raios do sol de Inverno, junto a uma braseira com cinzas ainda quentes. A noite foi longa. Foi a casa para tomar duche e dormir duas ou três horas, mas regressou ao seu posto, "disponível" para tudo o que fosse necessário, desde fazer panfletos com frases como "Estado assassino" até à preparação da manifestação diária, geralmente na Praça Syntagma, onde fica o Parlamento, e onde as cenas se repetem: garrafas e pedras atiradas contra a polícia, gás lacrimogéneo e avanço da força de intervenção, e de novo regresso às faculdades, onde a polícia está proibida por lei de entrar.
Na Politécnica, a segunda semana de ocupação começou ontem. Yannis sonha criar um site sobre a greve dos estudantes, para "que todos saibam o que se está realmente a passar". Está no quarto ano, tem 24 anos e, nas suas próprias palavras, "fogo e cólera no coração". "É a própria vida que tem de mudar: se o Governo se demitir, o novo seria igual, mesmo que a esquerda volte ao poder", explica o estudante, que mesmo assim exige a demissão do Governo conservador de Costas Karamanlis. Como a maior parte dos seus camaradas, não está muito chocado com a violência dos koukoulofori (encapuçados): "Não é preciso partir coisas, mas compreendo quem ataca a polícia, ou queima os bancos e as lojas das grandes cadeias internacionais." Nas ruas vizinhas, as carcaças calcinadas de carros e o odor pungente do gás lacrimogéneo são testemunhos dos confrontos nocturnos.
Até agora, Yannis, futuro engenheiro electrónico, nunca se interessou verdadeiramente por política. Por falta de tempo. Primeiro foi o liceu e, depois, as explicações diárias de três horas e por vezes quatro, a seguir às aulas, como muitos jovens gregos têm, quando as famílias têm posses para isso, para estarem melhor preparados para o concurso de acesso à universidade. O preço anual destas aulas privadas facilmente ultrapassa os 4000 euros. Os que tiverem melhores resultados podem ficar em Atenas, ou entrar nas melhores faculdades.

Os símbolosPara Yannis, como para muitos outros, tudo mudou na noite de 6 de Dezembro, quando a poucas centenas de metros da escola, no bairro de Exarchia, no coração da zona boémia estudantil ateniense, um adolescente de 15 anos, Alexis Grigoropoulos, foi morto por uma bala disparada por um polícia em patrulha. Atenas incendiou-se, bem como muitas outras cidades universitárias, por iniciativa de activistas do movimento anarquista.Logo no dia seguinte, os estudantes da Politécnica decidiram ocupar a sua escola, símbolo da luta pela democracia, desde 1973, quando os estudantes aí desafiaram a ditadura dos coronéis. "Sabemos que os polícias são corruptos, que mesmo com uma boa licenciatura estamos condenados ao trabalho precário e o nosso nível de vida será mais baixo que o dos nossos pais. Mas agora sabemos que podemos ser abatidos por um polícia na rua", explica Yannis.
"Essa bala cristalizou os anos de cólera acumulados. Não há reivindicações concretas. O que queremos é a nossa vida de volta", acrescenta Katerina Ioanninou, estudante do segundo ano na Faculdade de Direito, o outro coração da revolta. É lá que se concentram as organizações de extrema-esquerda. Mas estas não lideram o movimento: mais de uma centena de faculdades foram ocupadas e o fenómeno continua.
Cerca de 69 por cento dos gregos partilham a indignação dos manifestantes, segundo uma sondagem do diário Elefthérotypia. Um em cada cinco diz compreender as razões dos motins. Nas manifestações juntam-se estudantes e alunos, jovens da classe média, proletários dos subúrbios e jovens imigrantes. A mãe de Yannis também veio para a rua protestar.
Impermeável branco e jóias discretas, Galina Kanelopoulos, advogada com escritório num dos bairros chiques de Atenas, escuta emocionada a assembleia geral da Politécnica, que se realiza todas as tarde, no segundo andar da Faculdade de Arquitectura. Ela esteve neste anfiteatro em Novembro de 1973, para exigir a democracia. Os estudantes estavam barricados. "O meu pai veio até à porta para me dizer: 'Compreendo-te e não te posso pedir para saíres daí, mas tem cuidado. E hoje, 35 anos depois, estou aqui para dizer o mesmo aos meus filhos", suspira esta ex-comunista, que continua a ser "de esquerda" e esteve entre os últimos a deixar a escola, a 27 de Novembro de 1973, pouco antes de chegarem os tanques para esmagar a revolta, em que morreram 22 estudantes.
O seu filho Costas é um dos líderes da ocupação da Politécnica. A filha mais velha anima o movimento na Faculdade de Economia. Dyotima, a mais nova, que estuda numa boa escola privada, vem depois das aulas. Está a descobrir "a verdadeira política, que é o empenho em mudar o mundo".
"Se tivesse força, também atirava pedras aos polícias assassinos. E incendiava os bancos, aquece o coração mesmo que não dê cabo do capitalismo", junta a amiga que a acompanha.

Democracia confiscadaOs adolescentes são os mais zangados. As televisões mostraram um rapaz de 13 anos lavado em lágrimas, depois de ter sido apanhado com cocktails-molotov. As escolas secundárias começaram a entrar em greve, até nas pequenas cidades de província mais conservadoras. Os que têm 13 a 15 anos ainda estão longe do mundo do trabalho, mas já sabem que o seu futuro será muito difícil, num país em que a taxa de desemprego dos jovens dos 15 aos 25 anos ultrapassa 24 por cento. Se encontrarem emprego, deve ser temporário e mal pago. Fazem parte daquilo que os gregos dizem ser a "geração 600 euros".
"Estes jovens não estão só a escaqueirar as montras dos bancos, mas também a vida que têm", afirma a romancista Ioanna Karystiani, que também estava na Politécnica em 1973. "Os motivos deles não são diferentes dos nossos então... Claro, hoje há democracia, mas os partidos confiscaram-
-na para o seu próprio interesse, o desemprego é ainda pior e as humilhações são diárias", diz o advogado Kanelopoulos.
Professor de Arquitectura na Politécnica e também veterano de 1973, Panayotis Tournikiotis é mais céptico. "Os estudantes são minoritários entre os ocupantes, enquanto em 1973 estávamos lá todos, para exigir a democracia. O movimento deles parece-me confuso, mesmo que existam muitos motivos para a revolta", explica, embora se mantenha "profundamente solidário", como o resto dos professores.

A culpa dos pais"Os nossos pais e muitos professores apoiam-nos, mas nem sabem o que pensar. Perguntam-nos o que queremos concretamente, mas o que se está a passar põe em causa aquilo por que lutaram toda a vida", suspira Katerina Stavroula, no último ano de Medicina. Ajuda no dispensário montado na Faculdade de Direito para tratar dos que ficam feridos nas manifestações. Já tentou explicar aos familiares o que está em jogo. Sem sucesso. "Nos jornais e nas televisões os pais vêem a versão sentimental: emocionam-
-se por causa da morte de Alexis, e indignam-se com o polícia malvado, mas não querem compreender os motivos da nossa revolta", diz. "A geração deles tem grandes responsabilidades pelo estado do país", acrescenta Katerina Ioanninou, estudante de Direito.
Este levantamento da juventude prova o falhanço da geração que tem 50 anos, muitos regressados do exílio para construir a democracia após o fim da ditadura, em 1974. Acreditaram que vida ia mudar com a chegada ao poder dos socialistas do PASOK de Andreas Papandreou, em 1981. "É preciso encarar a realidade: há cinco anos que os conservadores governam o país, mas o PASOK esteve mais de 25 anos no poder, com o apoio dos comunistas. Colou-se ao sistema, com o mesmo desperdício dos dinheiros públicos, o mesmo clientelismo e imobilismo", reconhece a economista Marika Frangika. Numa entrevista ao Elefthérotypia, o sociólogo Constantin Tsoukalas pôs o dedo na ferida: "Hoje o desencanto é geral, e nenhum partido é credível: a falta de esperança é sempre mãe da violência e da transformação do povo numa multidão enraivecida."

Muito além do esperadoA assembleia geral do dia começou. Lá na frente, os anarcas gritam que "o sangue derramado clama por vingança". Os oradores sucedem-se. Uma voz eleva-se num grego hesitante: "Sou imigrante da Polónia e devemos estar todos unidos!" Explosão de aplausos. "Esta revolta já foi muito além do que podíamos esperar", sorri Yannis Androulakis, jornalista e militante libertário. O jovem sociólogo Dimitris Parsanoglu também é libertário, e está todas as tardes na Politécnica, entusiasmado com "este movimento que não tem papas na língua e é criativo, livre de toda a carga ideológica".
A reunião termina e cai a noite. Os professores vão-se embora e fecham as portas. Começa uma nova noite de ocupação. Yannis está lá. Ri-se. "Acho que gosto mesmo de política." Exclusivo PÚBLICO/Libération
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dos gregos partilham da indignação dos manifestantes que saíram para a rua, diz uma sondagem de um diário de Atenas

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