Dias Loureiro O amigo libanês e o genro de José Maria Aznar

Abdul Rahman El-Assir, referenciado como "traficante de armas", abriu as portas de Marrocos a Dias Loureiro, e é investidor das empresas de Porto Rico que a SLN adquiriu. Uma relação que o PÚBLICO noticiou em 2005

A Na entrevista que deu à RTP há duas semanas, houve, pelo menos, uma coisa que ficou clara: Manuel Dias Loureiro tem excelentes contactos em Marrocos. Foi nesse país que o ex-administrador da Sociedade Lusa de Negócios diz ter feito investimentos importantes no sector do fornecimento de água para o grupo do BPN, e, quando se tratou de vender esses negócios, recorreu a um contacto que lhe arranjou um comprador e que tratou junto das autoridades de Rabat das autorizações necessárias. Mais, diz Dias Loureiro: foi através dele "que conheci o Presidente Bill Clinton - estive em casa dele num jantar íntimo, estive com Bill Clinton três vezes - e foi através dele que também conheci o rei de Espanha. Portanto, era uma pessoa que me parecia ter as melhores referências, como é evidente".
Quem é, afinal, este contacto importante do ex-ministro e actual conselheiro de Estado de Cavaco Silva? Chama-se Abdul Rahman El-Assir, é libanês de nacionalidade e a primeira referência pública que o liga a Dias Loureiro está num livro publicado em Espanha em 2004. O ex-administrador da SLN surge como sócio de El-Assir, citado no livro como "traficante de armas", e, segundo a imprensa internacional, uma das personalidades mencionadas na megainvestigação que nos anos 80 envolveu um banco ligado ao narcotráfico internacional. Esta história, que foi contada originalmente pelo PÚBLICO na edição de 16 de Fevereiro de 2005, recupera agora actualidade.
Em declarações feitas nessa altura, Dias Loureiro explicou que, por sugestão de "um amigo, Antoni Asuncion [ex-ministro do Interior de Espanha em 1994], deu indicações a um advogado em Espanha, Javier Beox, para impedir que em futuras edições o seu nome continue a constar como "sócio" de El-Assir.
"Logo que tive conhecimento da existência desse livro, procurei agir de modo a repor a verdade dos factos e a evitar que em futuras edições essa mentira fosse repetida," disse ao PÚBLICO Dias Loureiro, quando confrontado com a informação de que seria sócio de Abdul Rahman El-Assir, conforme consta da obra publicada em Espanha, com o título Los PPijos. Os autores, os jornalistas Carlos Ribagorda e Nacho Cardero, analisam uma nova geração de políticos/homens de negócios do Partido Popular espanhol, à volta dos 40 anos, agrupada em torno de Alejandro Agag, genro de José Maria Aznar. À data da edição do livro, Agag era oficialmente colaborador do Banco Português de Negócios (BPN), de que era accionista Dias Loureiro. Os autores do livro já vieram esclarecer que nem eles nem a sua editora foram contactos no sentido de retirar ou alterar os termos em que se referem a Dias Loureiro no seu livro.

O amigo libanês que não pode entrar nos EUAContactado telefonicamente pelo PÚBLICO em 2005, El-Assir afirmou não ter qualquer ligação empresarial com Dias Loureiro, que "é apenas um grande e bom amigo". O empresário libanês confessou não ter lido Los PPijos, considerando que "nem tudo o que se escreve é verdade".
A imprensa espanhola (El Mundo, 16/5/04) menciona o facto de El-Assir, então com 54 anos, e com nacionalidade espanhola, estar proibido de entrar na Suíça e nos EUA, uma informação que o empresário contesta, adiantando que tem naquela localidade "residência" e mais de três mil empregados nos EUA, onde é proprietário de uma petrolífera, Gulf. O seu nome consta ainda de vários textos publicados nos últimos anos em sites internacionais como tendo estado associado ao escândalo que envolveu nos anos 80 o Banco de Crédito e Comércio Internacional (BCCI), com sede no Panamá, instituição que foi acusada de ligações ao narcotráfico mundial. Confrontado com o facto, El Assir assegurou apenas que "nunca teve nenhuma conta pessoal ou empresarial no BCCI".
Dias Loureiro disse nada saber "sobre o seu passado". "Não tenho quaisquer razões para pensar mal dele. O seu círculo de amigos é gente respeitável. Ele sempre me tratou bem, com amizade e respeito", notou.
O ex-deputado, ao ser contactado pelo PÚBLICO, considerou que o assunto é muito "delicado", reconhecendo que mantém uma relação de amizade com o libanês, mas "apenas desde 2001", ano em que este o "ajudou a resolver um negócio em Marrocos", como reafirmou na entrevista à RTP.
Em 2005, o social-democrata contou ter sido apresentado ao empresário libanês por "um cunhado dele", "amigo [de Dias Loureiro] e casado com a irmã da actual mulher" de El-Assir, a espanhola Maria Fernandez Longoria, filha de um ex-embaixador de Espanha no Cairo. Desde 2001, garantia o então presidente da mesa da assembleia geral do PSD, passaram "a ter uma relação social", não voltando a ter "contactos" profissionais. "Apenas tenho conhecimento de que possui uma empresa ligada ao petróleo nos EUA". Dias Loureiro esclarecia que a última vez que falou com o libanês "foi na passagem do ano".

Caçadas com o rei e jantares com Bill Clinton
"El-Assir é muito bem relacionado", observava então o actual conselheiro de Estado. "Ele convidou-me várias vezes para caçar com o rei de Espanha e jogar golfe." Foi ainda por seu intermédio, conta, que conheceu o ex-Presidente dos Estados unidos da América (EUA) Bill Clinton, e o presidente do Partido Democrata norte-americano, Terry McAuliffe, o homem que trata das finanças dos democratas. "Jantei com Bill Clinton nas casas dele [El-Assir] em Madrid, Barcelona e Londres."
El-Assir é visto regularmente na sua propriedade em Marbella, no Sul de Espanha, onde é vizinho dos pais de Alejandro Agag. "[Ele] é amigo do rei de Espanha e do neto de Franco [Francis Franco], com quem tenho estado", acrescentou Loureiro, adiantando que já se encontrou "umas seis vezes" com Juan Carlos em casa de El-Assir para caçar, "a última das quais foi em Setembro [de 2004, na altura]".
A "proximidade" do monarca espanhol a El-Assir foi, aliás, objecto de comentários por parte da imprensa espanhola, que põe em causa algumas das ligações de Juan Carlos, observando que três dos seus amigos "mais íntimos", Manolo Prado (envolvido em escândalos económicos), Javier de la Rosa (ligado à KIO) e Mário Conde (ex-presidente do Banesto), estão condenados criminalmente. O referido artigo do El Mundo tem mesmo como título: "Abdul El-Assir: outro amigo estranho do Rei."
De acordo com os jornalistas, El-Assir deslocou-se em 2003 a Portugal para assistir ao casamento da filha de Dias Loureiro, Joana, com o filho do então secretário-geral do PS, Ferro Rodrigues, João.
O ex-ministro de Cavaco Silva confirma-o: "É verdade que esteve nos casamentos das minhas duas filhas e o seu cunhado também." No Convento do Beato, em Lisboa, "junto à nata da política portuguesa [Durão Barroso, Cavaco Silva, Mário Soares...], Agag e a mulher partilharam a mesa com El-Assir: todos velhos conhecidos, todos amigos para convites e para os negócios", escrevem Ribagorda e Cardero. E lembram que o libanês foi igualmente convidado, em 2002, para o casamento de Alejandro Agag com a filha de Aznar, onde estiveram mil pessoas, incluindo um ex-primeiro-ministro português, António Guterres, o então chefe de Governo, Durão Barroso, e um ex-ministro da Administração Interna, Dias Loureiro. Daí concluem: "Como se pode apreciar, as conexões de uns e de outros fazem com que tudo fique em casa."
Alejandro Agag, de Madrid para o BPN
Em Los PPijos, editado em Março de 2004, Ribagorda e Cardero traçam um retrato pormenorizado do grupo de jovens políticos do Partido Popular (PP) espanhol, conhecido por "Clan de Becerril", reunidos em torno de Alejandro Agag. Uma nova geração da direita espanhola que prosperou à sombra do ex-primeiro-ministro Aznar e que partilha entre si um espaço de influência no mundo político, social e económico castelhano. Todos têm apelidos sonantes e são ricos e bonitos.
O "astro" do grupo é Agag, cuja meteórica ascensão ao estrelato do seu país é analisada com detalhe no livro. Aos 23 anos já era vice-secretário-geral do PP Europeu por indicação de Aznar. Filho de pai belga, de origem argelina e ex-secretário-
-geral do Banco Nacional de Argélia, e de Soledad Longo, autarca madrilena, Agag é economista e estudou no Colégio Retamar, da Opus Dei. Em 2002 foi convidado por José Oliveira e Costa, então presidente do BPN e antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Cavaco Silva, para ser seu "assessor pessoal". O banqueiro justificou a sua decisão por se tratar de "uma figura muito conhecida em Espanha" e que se adaptava ao "quadro de necessidades do BPN", que pretendia expandir os seus negócios naquele país.
O convite a Agag foi sugerido por Dias Loureiro, então administrador e accionista do banco. Em 2005 o dirigente social-democrata admitiu que, na altura, no quadro das suas funções partidárias, conhecia bem os dirigentes do PP, tendo sido "a pedido deles que trouxe a Portugal duas vezes Aznar".

Linha directa para Chirac, Berlusconi, Barroso...Quanto a Agag, Francisco Sanches, do BPN, disse ao PÚBLICO em 2005 que "há cerca de um ano que terminámos a ligação com ele". Mais: o BPN também deixou de ter qualquer ligação ao grupo de El-Assir, facto que o libanês confirma.
O grupo bancário de Dias Loureiro esteve em 2004 sob escrutínio da autoridade de supervisão, o Banco de Portugal, que solicitou à instituição que clarificasse as relações existentes entre a sua actividade bancária e os investimentos empresariais do grupo, que tinham elevadas taxas de rentabilidade e crescimento.
Com a subida ao poder dos socialistas espanhóis, o "Clan Becerril" viu a sua margem de manobra política diminuir, mantendo-se activo nos bastidores dos grandes negócios e gerindo uma rede "apetecível de contactos".
Ribagorda e Cardera descrevem um episódio relatado por "um velho lobo-do-mar da política espanhola, Rodolfo Martín Villa", que, referindo-se ao genro de Aznar, disse: "Fiquei espantado quando o vi sacar do telefone e falar com Berlusconi." Agag também possuía "linha directa" para "Chirac, Barroso". A 11 de Fevereiro de 2003 o El Pais dava conta da operação e adiantava que Agag actuou como intermediário, estando já ao serviço do BPN. A 17 de Março um portal imobiliário anunciava que tinha cobrado 300.500 euros pelos seus serviços. Uma versão que Francisco Sanches nega: "Essa operação nada teve a ver com o BPN."
Este episódio envolvendo a Metrovacesa é um de vários narrados em Los PPijos, onde se destaca uma pequena "história" que diz respeito a um negócio de Estado que terá ocorrido também em 2003. Agag participou então num jantar em Madrid com dois xeques sauditas e António Oyarzábal, então presidente da empresa de fabrico de veículos de combate Santa Bárbara. Os árabes vinham para investir em armamento e em Los PPijos diz-se que Agag actuava como intermediário, embora este negue. Ribagorda e Cardero contam que o negócio não se chegou a efectuar, estando ainda em causa "um crédito de 60 milhões de euros" concedido a Juan Carlos, "em condições muito vantajosas para o monarca espanhol". Um empréstimo que à data da publicação do livro ainda não teria sido liquidado.

As ligações a negócios de armamento
De acordo com os autores de Los PPijos, El-Assir participou em 1994 em duas operações de venda de armas espanholas ao Reino de Marrocos. O empresário libanês terá pedido "5000 milhões de pesetas ao Governo [de Madrid] para intermediar" os negócios.
O El Mundo de 16 de Maio de 2004 põe em evidência que o montante final atingiu os 10 milhões de pesetas. O dinheiro "era depositado numa conta na Suíça em nome de sociedades com sede no Panamá e em outros paraísos fiscais", escreveu Ildefonso Olmedo, no El Mundo. Aí o nome do libanês aparece "junto ao do traficante de armas sírio Al-Kassar, em um dos muitos escândalos que atingiram Menem", o ex-Presidente da Argentina. E em 1996, diz a imprensa, o libanês foi chamado ao Peru para depor no âmbito "do enriquecimento ilícito" do ex-Presidente Alan Garcia, condenado.
O jornalista do El Mundo afirma que a partir de 1994 El-Assir optou por "mudar de vida": "tornou-se invisível" e assumiu uma "trajectória" respeitável. Em Maio de 2001, aparece ao lado de Bill Clinton, numa viagem que este fez a Madrid. Naquele dia, o libanês e Clinton jogaram golfe, conta o El Mundo, e jantaram "com Agag e Ana Aznar, ainda noivos".
Outro dos nomes referidos em Los PPijos pelas suas ligações a El-Assir é o do saudita Adnan Kashogui, o comerciante de armamento internacional, cunhado de El-Assir. Ribagorda e Cardero sublinham a proximidade de Kashogui e de El-Assir. Os seus nomes surgem na imprensa internacional associados a vários escândalos, como o das exportações de armas espanholas nos tempos do PSOE, entre 1982 e 1990.
Além de outros escândalos ligados à venda de material bélico, o nome de Kashogui é referido como tendo sido alvo de investigações no âmbito do Banco de Crédito e Comércio Internacional, onde se disse que tinha conta pessoal. De acordo com os autores do livro, Kashogui é irmão da primeira mulher de El-Assir, Samira Kashogui (mãe de Dody Al-Fayed, que morreu no acidente que vitimou a princesa Diana), com quem o libanês se casou em 1976 em França. Dez anos depois, voltaria a fazê-lo, desta vez, com uma espanhola, Maria Fernández Longoria.
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As relações de Loureiro com Assir abriram--lhe portas. Em 2005 confirmou ter jantado "umas seis vezes" com o rei
Entre as altas figuras da vida pública internacional que tinham relações com Assir estava Bill Clinton
Leia a versão deste texto publicada em 2005 pelo PÚBLICO em: http://economia.publico.clix.pt/

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