Fome

Quem vier a "Fome" à espera de mais um filme sobre os "troubles" da Irlanda da Norte pode desde já tirar daí o sentido. Ao artista plástico Steve McQueen e ao dramaturgo Enda Walsh o que interessa é isolar um universo particular e usá-lo como centro de uma meditação sobre o humano, justapondo o guarda prisional que enfrenta o seu quotidiano de modo regulamentado aos prisioneiros que lhe contrapõem o caos, num jogo de equilíbrios entre o idealismo e a hipocrisia, o pragmatismo e o entusiasmo, que tem a violência como fiel da balança.

Mas "Fome" é também um filme sobre religião, sociedade, fé, crença, empenho, orgulho, como fica explícito no electrizante plano único onde Bobby Sands e o padre Dominic discutem o porquê da greve da fome em que o prisioneiro se vai empenhar - o momento onde "Fome" se revela como um objecto que recusa as convenções da narrativa convencional, optando por um estatuto de "instalação narrativa" meticulosamente encenada mas que nem por isso deixa de ser cinema de altíssima craveira, de um impacto visceral e inescapável. Está aqui não apenas a revelação de um cineasta, está aqui um dos filmes do ano.

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