Reportagem: Republicanos tristes mas conformados
Eram ainda 20h20 em Phoenix (03h20 em Lisboa) e os telemóveis, “blackberrys” e toda a outra parafernália que permitisse receber informação começavam a dar más notícias aos republicanos. E a notícia chegou: John McCain ia falar aos apoiantes que estavam no salão do hotel – ainda se tinha especulado que o senador optasse por falar apenas num evento mais privado, transmitido por câmaras aos outros apoiantes.
O cenário era elegante: o hotel Blitmore, inspirado em Frank Lloyd Wright. John McCain esteve à altura. Primeiro, disse que tinha acabado de telefonar ao seu adversário para lhe dar os parabéns por ter sido eleito o próximo presidente do país que “ambos amam”.
Mas John McCain não se limitou a palavras simpáticas para o momento histórico que foi a eleição de um negro e “o especial significado que tem para os afro-americanos”, lembrando que o país já não tem “velhas injustiças” que “mancharam” a reputação da América. Foi mais além: falou do adversário, agora seu presidente, como alguém que ajudou a que pessoas que sentiam que o seu voto não valia fossem votar.
“Peço a todos os americanos que me apoiaram que se juntem a mim não só em dar os parabéns [a Obama], mas a dar ao nosso presidente a nossa boa vontade e esforço para encontrarmos um modo de encontrar os compromissos necessários para ultrapassar as nossas diferenças”.
A reacção do público à primeira menção do nome de Barack Obama foi um longo apupo. Mas McCain cortou o “buuuu”, e continuou. Ainda que algumas reacções menos simpáticas continuassem. McCain falou do respeito que tem por Barack Obama, que inspirou milhões – um homem reage alto: “terrorista!”
McCain falou do momento histórico em que os EUA têm o seu primeiro presidente afro-americano – uma voz esganiçada de mulher grita: “Media bullshit!”
McCain: “Peço-vos para trabalharmos juntos.” Voz esganiçada: “nãããããooo!”
Futuro “promissor” para Sarah Palin
Duas outras notas do discurso de McCain: notando que a campanha é “por vezes mais pesada para a família do que para o candidato”, o senador promete “uma vida mais calma”. Espera-se um regresso ao Senado, afinal McCain já sofreu outras derrotas e voltou – o seu mandato termina em 2010. E em relação a Sarah Palin, mencionou o seu futuro promissor “no Alasca, no partido republicano e no país”.
O senador assumiu toda a culpa da derrota – “o falhanço foi meu” – para ser desta vez interrompido por um grande coro do público contrariando-o. “Não é culpa tua, John!” ou “É um herói” e então a ovação: “John McCain! John McCain!”
Mas esta contrasta com algumas vozes, mais ou menos altas, que já se faziam ouvir ainda antes do discurso. Enquanto caminhava no apinhado de pessoas que se movia em direcção ao relvado onde McCain discursou. “Ele devia ter atacado mais, mais cedo”, dizia um homem entredentes ao seu filho jovem. “A culpa é dos media”, suspirava uma mulher dos seus 40 anos. E num grupo de senhoras de mais-de-meia idade, uma dizia: “Acabou”. E a outra dizia com um certo ar de crítica: “Bem, ele [McCain] se calhar até está contente disto ter acabado.” Entretanto alguém fura a fila: “Ah, isso é tão democrata”, critica uma.
Rímel esborratado
Apesar da tristeza dos apoiantes de McCain não ser desesperada, havia algumas lágrimas e soluços descontrolados – uma adolescente mancha a maquilhagem tipo baile de finalistas, o rímel esborratado sobre a base que já esteve impecável.
Mas o discurso de John McCain deixou muitos felizes. “Numa palavra: classe”, diz Blake, 18 anos. “Houve também emoção no que ele disse, eu fiquei emocionado.” Ao lado, o colega na Universidade do Arizona, Mitch, concorda. “Acho que ele mostrou que tem confiança em Obama e no país – mais uma vez, ele é um grande patriota”. E como se vê na América de Barack Obama como Presidente? “Claro que preferia que o Presidente fosse John McCain. Mas se ele confia em Obama, como disse hoje, então eu também confio.”
“É muito triste”, diz Galia, expressão pesada a condizer. “McCain é especial. Se calhar as pessoas fora do Arizona não têm noção, mas aqui, uma pessoa precisa de qualquer coisa e o gabinete dele é sempre muito aberto. É um senador muito humano”.
Galia, que nasceu em Israel e morou “em muitos outros estados” antes de assentar no Arizona, acha que McCain “teve tudo contra ele – não o culpo”. “Ele era justo e um político muito especial. Mas a política é sobre timing, e ele teve azar”, conclui.
É impossível reprimir a curiosidade do que estará a pensar Andre, um negro no meio da derrota republicana, sobre a vitória do primeiro presidente afro-americano da América. “Esta eleição seria histórica de qualquer modo: se McCain vencesse teríamos a primeira mulher vice-presidente”, nota, para especificar. “Não tenho mais orgulho por Obama ser afro-americano do que se ele fosse branco”. “Eu discordo da maioria das propostas de Obama”, continua, para dizer antes de desaparecer num dos táxis chamados ao Blitmore: “Acho ainda que o mundo viu demasiado esta eleição em função da raça.”