Fundação para gerir património causa mal-estar no Grande Oriente Lusitano
O destino dos mais de 20 edifícios espalhados pelas principais cidades e o próprio palácio no Bairro Alto, em Lisboa, que alberga a sede da obediência maçónica com mais de 80 "sucursais" (lojas) em todo o país, é o que preocupa os opositores ao projecto liderado pelo grão-mestre do GOL, António Reis.
Maçons contactados pela agência Lusa falando sob anonimato suspeitam das verdadeiras intenções por trás da criação da Fundação Grande Oriente Lusitano e temem pelo fim da organização maçónica com mais de 100 anos.
Os estatutos prevêem, por exemplo, admissão de membros exteriores à maçonaria que poderão vir a dirigir a Fundação que vai gerir todo o património do GOL.
António Reis, questionado pela Lusa, mostrou-se agastado com o processo a que chamou "novela" e remeteu para declarações anteriores sobre o assunto, escusando-se a responder a qualquer questão.
Uma apreciação crítica produzida por um jurista maçon que está a circular entre os elementos do GOL, a que a Lusa teve acesso, alerta que a Fundação que receberá o património de modo irrevogável tem entre as suas atribuições, de acordo com os seus estatutos, "a venda ou a hipoteca de bens imóveis [do seu património], desde que o sejam na prossecução dos fins" para que foi criada.
E quem define "esses fins" é o Conselho Executivo, cujas decisões poderão, em última instância, necessitar apenas da assinatura do seu presidente e do vice ou de quem o substitua, refere o mesmo parecer.
Deste modo, todo o património do GOL acabaria por ficar na dependência de apenas duas pessoas que dirigem um órgão cujas competências incluem a transacção do património e até o espólio reunido pelo museu maçónico.
A Fundação tem como instituidoras três organizações designadas para-maçónicas, dirigidas e constituídas por elementos do GOL: a Associação Grémio Lusitano, o Internato de S. João e a Sociedade Promotora de Escolas.
De acordo com os estatutos da nova estrutura, todos os associados das outras três organizações passam a integrar o Conselho de Curadores da Fundação Grande Oriente Lusitano, que é quem "assegura a fidelidade aos princípios, valores e objectivos da Fundação".
Com um senão: os nomes dos curadores são sujeitos a aprovação por parte do Conselho Executivo, remetendo em última instância para a decisão de apenas dois dos seus elementos, um deles o presidente.
Deste modo, os instituidores da Fundação não a podem integrar directamente, mas apenas se forem aprovados pela sua direcção.
Na leitura que faz dos estatutos, o maçon anónimo considera a situação semelhante ao que ocorreria, por exemplo, na Fundação Joe Berardo se os seus estatutos permitissem a criação de um órgão que pudesse decidir se o milionário poderia ou não participar nas decisões da instituição que criara, e que teria poder até para o expulsar.
Numa pequena brochura publicada em Janeiro passado, o juiz desembargador jubilado Ricardo da Velha, que ficou conhecido pela sua participação no programa televisivo "O Juiz Decide", diz que existe "a ameaça concreta" que a Fundação pode representar para a "sobrevivência" do GOL.
Alega que a Fundação "não é uma instituição de direito maçónico", pelo que se rege pelo Código Civil, o que afasta a possibilidade da dieta (assembleia do GOL) poder criar aquela estrutura ou decidir o que pode fazer com os bens da Associação Grémio Lusitano.
No discurso de tomada de posse para o segundo mandato, o grão-mestre António Reis - que fez da criação da Fundação um dos seus cavalos na batalha eleitoral contra o outro candidato, Filipe Frade - garantiu que "todos os Mestres Maçons são membros" da nova estrutura.
Disse ainda, na intervenção feita perante a dieta em 27 de Setembro passado, que com a nova Fundação fica assegurada a "salvaguarda, a rendibilização e a gestão integrada do património do GOL, até hoje disperso por várias instituições e sobre a qual a obediência não tinha um controlo".
Uma ideia antigaO processo para criar uma Fundação gestora do património das instituições controladas pelo Grande Oriente Lusitano (GOL) só nos últimos dois anos deu passos concretos, mas a ideia já andava pela sede da obediência maçónica há pelo menos 20.
Eugénio Oliveira, o coronel que ocupou o lugar de grão-mestre do GOL entre 1996 e 2002, disse à agência Lusa que a criação de uma Fundação já era "falada" desde o tempo em que Raul Rego liderava a estrutura maçónica, há cerca de 20 anos.
Continuou "adormecida" quando o cargo de grão-mestre foi depois ocupado por Ramon La Féria (três anos), Rosado Correia (outros três), pelo próprio Eugénio Oliveira (seis anos) e António Arnaut (três).
Só com António Reis, que iniciou em Setembro o segundo mandato de três anos, o processo passou ao papel.
"Quando eu lá estava pensou-se nisso mas nunca se concretizou", afirmou Eugénio Oliveira, que diz estar mais afastado das cúpulas do GOL desde então e até desconhecer a polémica à volta da criação da Fundação, que disse tê-lo deixado "preocupado" e sobre a qual prometeu inteirar-se.
Quem também teve o processo consigo foi o penúltimo grão-mestre, António Arnaut, ex-ministro socialista de governos liderados por Mário Soares, que reconhece não o ter feito avançar pelo "melindre" da questão e porque "podia causar divisões" no GOL.
"O assunto não estava suficiente amadurecido", afirmou Arnaut à Lusa, reconhecendo tratar-se de uma questão "muito complexa".
Contudo, revela que "disse ao [António] Reis [seu sucessor] que apoiava" a iniciativa, se ele quisesse avançar, como viria a acontecer.
"A coisa, juridicamente, é complexa", mas "insere-se no espírito de abertura que defendo" para a Maçonaria, avançou.
E não alimenta reservas sobre a colocação de todo o património material do GOL numa estrutura externa à Maçonaria e regida pelas leis civis.
"Se o soubemos administrar nestes anos todos, também o saberemos agora", considera António Arnaut, prevendo que "a Fundação vai abrir os espíritos" dos maçons, ao tornar mais aberto o processo de gestão do património do GOL.
Acerca das dúvidas que alguns "irmãos" alimentam, contrapõe que a opção pela Fundação foi uma "decisão democraticamente assumida" pela assembleia (dieta) do GOL, cujos membros diz terem "o sentido fraterno e democrático" para dissiparem dúvidas que possam surgir sobre a entrega do património a uma nova instituição.
Nomes de Rui Pereira e Jorge Lacão envolvidosO clima de desavença entre maçons no Grande Oriente Lusitano (GOL), provocado pela iminência da criação da fundação, leva à desconfiança dos mais insuspeitos pormenores, como sucede com um almoço de homenagem a um dos seus membros, Edmundo Pedro.
Marcado para o próximo sábado na antiga FIL, na Junqueira, em Lisboa, o encontro de confraternização para homenagear o maçon pelos seus 90 anos foi convocado para as 13h00, duas horas antes do limite máximo para começar uma reunião da dieta onde vai voltar a ser discutida a questão da criação da Fundação Grande Oriente Lusitano.
Desta vez, para ser apresentada a redacção final dos estatutos, que foram registados no cartório notarial com uma versão diferente da que fora aprovada anteriormente pela dieta, conforme os próprios documentos, a que a Agência Lusa teve acesso.
O convite para o almoço é assinado por Vasco Lourenço, maçon apontado pelos detractores da Fundação como um dos seus grandes estrategas.
Opositores à criação da Fundação, contactados pela agência Lusa, disseram que a proximidade das horas tem por objectivo "desviar" participantes da dieta, no Bairro Alto, por ainda estarem na confraternização da Junqueira.
Será a derradeira oportunidade dos opositores ao grão-mestre António Reis se insurgirem contra o seu projecto da Fundação, onde quer reunir todo o património do GOL, para o "rendibilizar" e "gerir integradamente" as "várias instituições sobre as quais a obediência não tinha um controlo efectivo".
Apesar disso, alguns dos opositores já anunciaram que não vão estar presentes, dado que dizem esperar um máximo de 25 a 30 votos num universo de 150, pelo que se recusam a "legitimar" o que for decidido com o seu voto, mesmo que contra.
E dizem que tudo se torna mais difícil quando a escritura da Fundação terá sido elaborada pelo actual ministro da Administração Interna, Rui Pereira, referido abundantemente como maçon na Imprensa, tal como Jorge Lacão, o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros onde o processo para criação da Fundação terá que ser entregue.
A Lusa tentou obter de Rui Pereira um comentário sobre este assunto, mas não obteve resposta em tempo útil.
De acordo com a actual legislação, compete ao ministro da Presidência, cargo actualmente ocupado por Pedro Silva Pereira, ou em que ele delegar, o reconhecimento de novas fundações.
Um assessor da Presidência do Conselho de Ministros disse à Lusa que ainda não deu entrada naquele gabinete o processo relativo à Fundação Grande Oriente Lusitano.