O arquitecto que sabia resolver as esquinas
É uma exposição que condensa a produção de Arménio Losa e do seu sócio Cassiano Barbosa. Arquitecto e urbanista, Losa foi uma figura marcante do movimento modernista
a Arménio Losa (1908-1988) é o menos conhecido e o menos citado dos arquitectos do movimento modernista português no Porto e no Norte do país. O seu nome surge normalmente secundarizado pela proeminência que ganharam as obras de um Januário Godinho (1910-1990) ou de um Viana de Lima (1913-1991), seus colegas no curso de Arquitectura da Escola de Belas-Artes do Porto - que, aliás, viriam a diplomar-se mais tarde -, mas a produção de Losa (que foi casado com a escritora alemã fugida ao nazismo Ilse Losa) merece ser mais bem conhecida, divulgada e apreciada.É esta a convicção do arquitecto Manuel Mendes, responsável do Centro de Documentação da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), docente, investigador e coordenador da exposição Arménio Losa/Cassiano Barbosa Arquitectos - Nosso Escritório (1945-1957), que hoje às 22h00 é inaugurada no Edifício da Alfândega, no Porto, no dia em que se comemoram os 100 anos do seu nascimento.
"A obra de Losa está ainda mal estudada", como desconhecida permanece também a sua efectiva contribuição para a mudança dos paradigmas da prática da arquitectura no Porto e no Norte, realça Manuel Mendes. No texto de apresentação da exposição, este arquitecto escreve que Arménio Losa e Cassiano Barbosa (1911-1998) - dois nomes associados naquele que ficou registado como "Nosso Escritório" entre 1944 e 1963 - deram um assinalável "contributo à ampliação da cidadania da arquitectura, do seu ofício e saber, nas suas dimensões técnica e artística, política e cultural".
Mas esta não é uma ideia nova ou recente de Manuel Mendes - já em 1995, num texto que escreveu sobre a obra de Losa aquando da homenagem póstuma que lhe foi prestada pela Câmara Municipal de Matosinhos (que lhe atribuiu a Medalha de Ouro da cidade), este investigador considerava que o arquitecto era membro de pleno direito do movimento modernista.
Na mesma altura, e na mesma brochura editada para a homenagem em Matosinhos (uma edição da autarquia e da Afrontamento), o arquitecto Pedro Ramalho, que acompanhara a actividade de Losa desde 1955, dizia que ele tinha entendido "a modernidade no conceito do seu tempo", e que a via precisamente como "oposição e consciência de ruptura".
Mendes e Ramalho surgem agora de novo juntos neste programa que assinala o centenário de Arménio Losa, cabendo ao segundo a organização das actividades paralelas à exposição documental: um concurso de fotografia, um ciclo de conferências, uma mesa-redonda, uma visita guiada à mostra da Alfândega e ainda um concerto.
Para a exposição, Manuel Mendes pensou inicialmente documentar a produção dos anos 1940/50 do "Nosso Escritório" (a expressão está manuscrita por Losa numa folha de papel com um desenho para um móvel que foi instalado no escritório dos dois arquitectos). A parceria profissional de Arménio Losa com Cassiano Barbosa deu continuidade a uma amizade certamente fundada nos anos em que ambos frequentaram a Escola de Belas-Artes, na viragem dos anos 20/30, e que o segundo chegou a evocar no seu Álbum Esquecido: "As nossas controvérsias tinham como motivo o modernismo na arte e como cenário o claustro (...) do Museu Soares dos Reis, onde injuriávamos a arte clássica, exaltávamos Picasso, Calder, Corbusier e Frank Lloyd Wright...".
Nessa produção da sociedade Losa/Barbosa avultam dois edifícios ainda existentes no Porto, e que são raros sobreviventes de uma produção "que em grande parte está destruída", lamenta Manuel Mendes. São o bloco de habitação da Boavista/Carvalhosa (1945) e o edifício da Rua de Sá da Bandeira (1946), ambos desenhados para um mesmo cliente, entendidos como "acções fundadoras" daquela sociedade, e dos quais foram recentemente depositados nos arquivos da FAUP documentos que permitem conhecer em detalhe todo o processo de projecto e de construção.
Reinventar o lote estreito
O edifício da Boavista/Carvalhosa é a expressão mais feliz daquilo que era a visão de Losa para uma arquitectura familiar e doméstica, a que ele dedicou grande parte do seu trabalho. Manuel Mendes diz que Losa - que considera "o mais criativo e o mais modernista" dos dois sócios - actualizou esta tipologia muito característica da arquitectura portuense, e que aquele designa como "de lote estreito de contiguidade" e que era ainda regido pelas fachadas estreitas vindas do século XIX.
Outro exemplo desta vertente na obra de Losa é a cooperativa de habitação que ele fizera, antes, para a Boavista/Pinheiro Manso (1936), num projecto que mostra a sua capacidade e a originalidade com que resolve edifícios de esquina, de que se torna "um especialista", diz Manuel Mendes.
O edifício em Sá da Bandeira é já outra dimensão da produção Losa/Barbosa, e Mendes classifica-o mesmo como "uma espécie de Broadway" na Baixa do Porto; é um edifício que corta com o convencionalismo até urbanístico que imperava à época, e que expressa um modernismo "que vai beber ao racionalismo italiano, mas também à vertente mais decorativa da Werkbund alemã", nota o professor da FAUP.
A exposição na Alfândega, apesar da exiguidade do espaço disponível, acabaria por crescer para a documentação de 86 trabalhos, que são "condensados como uma prenda", diz Manuel Mendes. Nelas são apresentados projectos, mas também o contexto urbano e social em que eles foram idealizados e implantados. E das múltiplas dimensões da obra de Losa representadas avulta o seu trabalho de urbanista, que, nota o responsável pela exposição, inicialmente se pensava ter sido desenvolvido apenas mais tardiamente, mas que afinal vem já da década de 1930, quando Losa colaborou com o gabinete de Aucíndio dos Santos, na Câmara do Porto.
Nesta área, estão citados os planos urbanísticos realizados para Gaia (1945-49) e para Macedo de Cavaleiros (1945-51), mas também o da Zona do Hospital Escolar (São João), no Porto (1951-56), ou o de Matosinhos-Sudeste e da envolvente do Mosteiro de Leça do Balio (1961-68). De todos eles, Manuel Mendes destaca "o plano fabuloso" realizado para o Hospital Escolar de São João, "o primeiro que em Portugal segue a Carta de Atenas" que introduz o conceito de "cidade funcional" e a separação das áreas residenciais, de lazer e de trabalho.