Cem Özdemir
Os alemães filhos de imigrantes, e não só os de origem turca, votam cada vez mais e querem "concorrer com os outros". Não é fácil. Numa sociedade que se pensa em termos étnicos, continuam a ser inexoravelmente "turcos". Da mesma maneira que Ancara deseja que permaneçam turcos a cem por cento. Diz Cem Özdemir, candidato a líder dos Verdes: "[Sou] um alemão na comunidade turca e um turco na comunidade alemã"
a Cem Özdemir, 42 anos, está prestes a tornar-se no primeiro político de origem turca a dirigir um grande partido alemão, os Verdes. Na conferência federal de 14 de Novembro, deverá ser eleito co-presidente, após a renúncia do único rival, Volker Ratzmann. Como os Verdes têm uma direcção dual, partilhará a liderança com Claudia Roth, que se recandidata. Ligado à ala pragmática do partido, os "realos", fora já o primeiro "turco" a sentar-se no Bundestag. "Um turco no topo", titulou Der Spiegel online. "Eurodeputado turco vai liderar os Verdes da Alemanha", noticiou o Turkish Daily News. Ele identifica-se de outra forma: "Não sou um turco, sou um europeu de origem turca e, antes de mais, um Verde." Mas reconhece a sua condição: "Alemão no interior da comunidade turca e turco dentro da comunidade alemã." Mas crê que isto até lhe dá credibilidade. De resto, é um "muçulmano secular". Diz a imprensa: "político carismático" e "ícone dos media", é um especialista de "campanhas à americana".
Casado com uma argentina, tem a filha num jardim-escola germano-espanhol. Em Berlim, vive no bairro Kreuzberg, aquele em que uma pessoa pode nascer e morrer sem nunca ter aprendido uma palavra de alemão. Ele fez a rota inversa.
Da Suábia ao Bundestag
Nasceu na conservadora Suábia, estado de Baden-Württemburg, em Dezembro de 1965, filho de imigrantes turcos de primeira geração. Como a esmagadora maioria dos filhos de imigrantes, seguiu o ensino técnico e, com desgosto da mãe, tornou-se educador infantil, uma profissão feminina na Turquia: "Era como se fosse gay." Passou pelo jornalismo e, mais tarde, escreverá três livros sobre imigração e identidades.
Aos 18 anos, pediu a naturalização. Tratara de aprender a falar alemão melhor que os alemães. Aos 16, começara a militar nos Verdes, ascendendo depois à direcção do partido em Baden-Württemburg.
Em 1993, um atentado neonazi contra imigrantes turcos em Solingen - cinco mulheres e crianças mortas num incêndio - fá-lo saltar para a política nacional. Era necessário intervir, diz, travar a ruptura e mostrar que as coisas começavam a mudar na sua própria geração: "Queremos ser o que os outros são. E queremos competir."
Em 1994 é eleito deputado federal. No Bundestag é o porta-voz dos Verdes para os assuntos da imigração. Rapidamente ganha notoriedade nacional.
A Alemanha tem 6,7 milhões de imigrantes, "trabalhadores convidados" (Gastarbeiter), dos quais 2,5 milhões de origem turca. Na era do "milagre económico" dos anos 60, a Alemanha precisava drasticamente de mão-de-obra. Mas elaborou uma ficção: os "convidados" regressariam aos seus países no fim do contrato. Os turcos também: economizavam para voltar a casa, o que dispensava o esforço de integração, favorecia a vida em gueto e desmazelava a escolarização dos filhos. No fim, quase todos ficaram.
Reeleito em 1998, Özdemir passa a porta-voz para a política interna, com um papel destacado na reforma da lei da naturalização. Foi um paladino da entrada de Ancara na UE e, ao mesmo tempo, um crítico sistemático das violações de direitos humanos na Turquia. Quando votou contra a exportação de armas para Ancara, a imprensa nacionalista turca apelidou-o de "traidor".
Em plena ascensão, em 2002, é apanhado pelo "caso Huntzinger": vários deputados utilizavam as "milhas" de viagens públicas para viagens privadas. A vítima mais notória foi o ministro da Defesa do SPD, Rudolf Scharping. Özdemir demite-se, mas o partido não o abandona: será eleito para o PE em 2004.
Polémica com Erdogan
Apesar da sua apetência pela política internacional, Cem Özdemir dificilmente escapará a uma questão central da Europa: as comunidades muçulmanas. "Será sempre olhado como um político imigrante que fala sobre os temas da imigração", diz um colega eurodeputado.
Anunciou que a sua prioridade será a batalha da educação. "O sistema escolar e o mundo do trabalho são os elementos-chave da integração." Eis o cerne da questão.
Em Fevereiro, um incêndio suspeito numa casa de Ludwigshafen matou nove pessoas de origem turca, entre elas cinco crianças. Ressurgiu o fantasma de Solingem e o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, foi à Alemanha, abrindo um debate sobre a identidade dos imigrantes.
Num tom marcadamente nacionalista, denunciou as políticas de assimilação como "crime contra a humanidade". Um conselheiro veio depois relativizar a frase: ele pensava na assimilação forçada. Numa entrevista ao Monde, Cem esclarece a sua posição. A integração não é passível de discussão. "Deve aprender-se a língua do país em que se vive; deve respeitar-se a sua Constituição e, nos Estados democráticos, a Constituição é a lei comum dos cristãos, dos muçulmanos e dos ateus."
A questão não pode ser colocada na base da relação entre dois Estados. "A assimilação é possível, mas é um assunto individual. O Estado não a pode decretar. Nem Erdogan nem Angela Merkel têm a ver com isso. (...) Se eu em casa tiro os sapatos, se creio ou não em Deus, se os meus filhos são circuncidados ou não, isto diz-me pessoalmente respeito." Da mesma forma advogou, contra outros Verdes, a liberdade de uso do lenço islâmico.
Discorda de Erdogan, que, para defender a identidade turca dos imigrantes, quer impor o ensino da língua turca. "Que os pais queiram ou não ensinar aos filhos o turco, é uma decisão pessoal. (...) Mas o que está fora de questão, e penso que é isso o que Erdogan tinha em mente, são escolas puramente turcas. Seria o impasse."
Berlim e Ancara, diz Cem, estão de facto de acordo quanto à integração. Ninguém quer a assimilação. A frase de Erdogan levanta sobretudo problemas à Turquia. Onde estão as escolas, as universidades curdas? "Se a assimilação é um crime contra a humanidade - uma tese surpreendente -, então, se faz favor, caro senhor Erdogan, comece em sua casa."
A "cela de vidro"
Não é fácil ser um "político alemão de origem turca". A deputada social-democrata Lale Akgün diz à Spiegel que sempre se sentiu no seu gabinete do Bundestag como numa "cela de vidro". A sociedade alemã "pensa muito etnicamente. Uma pessoa é sempre turca. É muito difícil ser um membro normal do partido". O problema, como Erdogan mostrou, é que Ancara também deseja que os "turcos da Alemanha" permaneçam turcos a cem por cento.
Berlim só aceitou as leis contra a discriminação porque Bruxelas lhas impôs, diz Özdemir. Pede uma atitude europeia comum sobre o voto dos imigrantes nas eleições locais, "regras comuns para a imigração legal e também direitos mínimos para tratar a imigração ilegal". "Senão, não se espantem que os turcos da Alemanha se precipitem para escutar Erdogan."
Por outro lado, lembra que sempre denunciou a violência doméstica e outras práticas inaceitáveis nas comunidades turcas. "Precisamente porque nós, os Verdes, queremos defender os direitos dos imigrantes, teremos sido os mais bem colocados para levantar as questões incómodas, que o politicamente correcto interditava."