Já há 300 cabras selvagens no Gerês
A cabra-montês foi extinta do único parque nacional do país no final do século XIX. Mas, em 1999, uma escapada de alguns animais de um cercado galego permitiu o seu regresso em força
A Esta é a história extraordinária de uma espécie selvagem que, de forma fortuita, regressou ao território de onde tinha sido expulsa pelo homem há mais de um século. Extinta das penedias do Gerês na última década do século XIX, a cabra-montês voltou timidamente em 1999 e, desde então, não tem parado de se reproduzir. Hoje, existem cerca de 300 exemplares: 40 na Serra Amarela e os restantes na linha de fronteira que divide o Parque Nacional da Peneda-Gerês do parque galego Baixa Límia-Serra do Xurês, segundo uma estimativa da bióloga Gisela Moço, que tem vindo a monitorizar a população de cabra-montês.Miguel Dantas da Gama, dirigente e co-fundador do FAPAS- Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens, há-de entrar para a história do único parque nacional lado a lado com José Thomaz de Sousa Pereira, o homem que encetou o repovoamento florestal do Gerês no final do século XIX. Este silvicultor foi o último a observar uma cabra selvagem na serra do Gerês. Corria o ano de 1892. Cento e sete anos depois, Miguel Dantas da Gama foi o primeiro a confirmar o regresso daquela espécie.
Um momento que o ambientalista fixou assim: "Sábado, 20 de Fevereiro de 1999. Trilho o Parque Nacional em busca da cada vez mais rara águia-real, dando seguimento ao trabalho de recenseamento de uma população que inacreditavelmente se abeira do fim. De repente, as silhuetas de um, depois dois, finalmente três animais, uns duzentos metros abaixo do topo da escarpa onde me encontro, fazem-me instantaneamente pensar no que não posso acreditar. O binóculo desfaz, historicamente, a dúvida. São 14h50. A cabra-montês está de volta a Portugal! O Gerês não me parece o mesmo! Um reixelo (macho adulto), uma fêmea e uma cria pastam em liberdade no Parque Nacional da Peneda Gerês!"
Acasos da natureza
Sete anos antes, o FAPAS tinha proposto à então ministra do Ambiente, Teresa Patrício Gouveia, que intercedesse junto de vários organismos espanhóis no sentido de trazer para Portugal alguns exemplares criados em cativeiro. Mas o pedido não teve qualquer consequência. Muitos anos antes, já Américo Tomás tinha feito o mesmo pedido a Franco, mas igualmente sem sucesso.
Com a extinção da cabra-montês em Portugal, Espanha tinha ficado com o exclusivo de uma espécie que é um dos mais cobiçados troféus cinegéticos no lado de lá da fronteira. Cá também o era e foi por causa da caça que a cabra-montês acabou extinta.
Mas os acasos da natureza acabaram por vencer os interesses políticos. Em 1992, a Junta da Galiza tinha trazido da Reserva Nacional de Caça das Batuecas (Salamanca) quatro machos e oito fêmeas de cabra-montês para o Parque Natural do Invernadeiro, para iniciar um processo de reintrodução da espécie. Em 1997, esse núcleo de cabras era já composto por 70 exemplares. Dezoito foram transferidos, no ano seguinte, para o Parque Natural da Baixa Límia-Serra do Xurês. Cinco machos e 11 fêmeas ficaram num cercado em Salgueiros, mesmo junto à linha de fronteira com a Peneda-Gerês. Um macho e uma fêmea foram levados para um outro cercado na serra vizinha de Santa Eufémia, mas estes com o objectivo de poderem ser observados pelos visitantes daquele parque galego. Esta parelha gerou duas crias. Uma morreu logo a seguir. A outra e os progenitores acabaram por fugir. Foram esses três exemplares que Miguel Dantas da Gama observou mais tarde já no lado português.
Crescimento exponencial
Mais tarde, fugiram outras cabras do cercado de Salgueiros para a zona de Pitões das Júnias, no concelho de Montalegre. Em 2000 e 2001, com a população de cabras de Salgueiros em crescimento contínuo, os responsáveis do parque galego libertaram 25 exemplares no Xurês. Como os animais não têm fronteiras, as cabras foram penetrando em território português e tomando conta do seu espaço natural.
O facto de terem sido libertadas muitas fêmeas adultas tem favorecido o crescimento exponencial da espécie. Mas, a prazo, se não forem tomadas medidas, o sucesso desta reintrodução poderá ficar comprometido, porque as cabras tenderão a estender-se no território e a ocupar os mesmos espaços das cabras domésticas, o que pode ter consequências sanitárias nefastas. Um estudo realizado pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa concluiu pela existência de habitats na área do parque nacional com condições para suportar 180 a 270 exemplares de cabra selvagem.
Na opinião de Miguel Dantas da Gama, o regresso das cabras "coloca questões que extravasam a problemática da própria espécie". "Embora reconhecendo-se que o regresso das cabras ao parque nacional é um grandioso fim em si mesmo, é também, e principalmente, um meio para atingir um fim muito maior: a recuperação, o correcto ordenamento e a salvaguarda da Peneda-Gerês, património natural de excepção onde se circunscreve um espaço vital para as cabras", escreve no seu livro A Cabra-Montês, da Extinção à Reintrodução - Um Novo Desafio (edição FAPAS), que acaba de publicar.