Nobel da Literatura 2008 para o autor de culto em França Jean-Marie Le Clézio
Fazia parte da lista dos eternos candidatos. Este ano os rumores eram mais fortes
e concretizaram-se. Foi considerado "o maior escritor vivo da língua francesa" pela revista Lire
a Ontem de manhã, pouco tempo antes de lhe ser atribuído o Prémio Nobel da Literatura 2008 pela Academia Sueca, Jean-Marie Gustave Le Clézio deu uma entrevista à France Inter que foi gravada em vídeo. Quando o jornalista lhe disse: "O Prémio Nobel da Literatura é atribuído hoje. Aparentemente, o seu nome circula muito na Suécia. Qual é o seu estado de espírito?". O senhor Le Clézio contorceu-se na cadeira, levou a mão ao queixo e respondeu que estava na "expectativa". O jornalista insistiu e perguntou, então acredita que é possível? "Claro que sim. Porque não? É um prémio li-
terário. Quando somos escritores, acreditamos sempre nos prémios literários."
Aconteceu. O Prémio Nobel da Literatura 2008 é francês, tem 68 anos, escreveu mais de 50 livros e é um autor de culto em França. O Comité do Nobel considerou que J.M.G. Le Clézio é um "escritor da ruptura, da aventura poética e do êxtase sensual, explorador de uma humanidade para além e sob a civilização reinante".
Escreveu contos, romances, ensaios, novelas, traduções de mitologia ameríndia. Na sua obra critica o Ocidente materialista e dá atenção aos mais fracos e excluídos. Filósofos como Michel Foucault e Gilles Deleuze apreciaram a sua escrita "inovadora e revoltada".
"Como escritor, ele passou por fases muito distintas e incluiu na sua escrita outras civilizações, outros modos de viver diferentes do Ocidente", disse o secretário da Academia, Horace Engdahl.
Le Clézio ficou "muito emocionado e muito sensibilizado" quando soube da notícia, disse-o ontem a uma rádio sueca, e a 10 de Dezembro estará em Estocolmo a falar sobre as dificuldades que os jovens autores têm em publicar livros hoje em dia. Vai receber nessa cerimónia um cheque no valor de 10 milhões de coroas suecas (1,03 milhões de euros).
Mas ainda este mês, no dia 25 de Outubro, Le Clézio irá à mesma cidade receber o Prémio Stig Dagerman, um outro galardão literário sueco que lhe foi atribuído em Junho.
Esta agitação à volta de J.M.G. Le Clézio começou nos anos 60. Com 23 anos, o escritor recebeu o Prémio Renaudot (1963), pelo seu romance Le Procès-Verbal, publicado na prestigiada Gallimard. O General De Gaulle escreveu-lhe na altura a agradecer o envio do livro afirmando que este o tinha "arrastado para um outro mundo; o verdadeiro, provavelmente".
Georges Lambrichs, que foi director, entre 1959 e 1972, da colecção Le Chemin, onde a Gallimard publicou este livro de Le Clézio, explicou um dia: "Não se pressente um Beckett. Não se decreta o aparecimento de um Le Clézio. Um belo dia, os seus ma-
nuscritos chegam ao nosso escritório. E ficamos sensibilizados. É esse o nosso único trabalho, o nosso único mérito". Numa sondagem, realizada em 1994 pela revista francesa Lire, Le Clézio foi considerado como o "maior escritor vivo da língua francesa" e Deserto, de 1980, publicado em Portugal pela Dom Quixote, é considerada a sua obra-prima.
O último francês a ter o Nobel foi Claude Simon, em 1985, e quando o jornalista da France Inter lembra a Le Clézio que se calhar como um autor francês já não recebia há muito tempo este prémio, talvez houvesse esperança... Le Clézio tinha a resposta pronta: "Sim, sim. Não estou à altura de Claude Simon, La Route de Flandres é um livro tão maravilhoso. Deixemos o júri decidir".
Mais tarde, já depois de saber que era o premiado deste ano, Le Clézio conversou pelo telefone com Adam Smith, editor do site Nobelprize. Explicou que escreve sempre em língua francesa apesar de ser bilingue e que se lhe perguntarem qual o país que sente como "a sua casa" a sua resposta será sempre: as Maurícias.
Aventureiro do século XX
Jean-Marie Gustave Le Clézio nasceu a 13 de Abril de 1940, em Nice, filho de um cirurgião britânico e de uma francesa da Bretanha. Aos oito anos foi com a família para a Nigéria, onde o seu pai, médico de profissão, foi colocado durante a II Guerra Mun-
dial. Escreve ininterruptamente des-
de os sete anos. Foi professor universitário em Banguecoque, Cidade do México, Boston, Austin e Albuquerque. Formado pelo Instituto de Estudos Literários, tem uma tese de doutoramento sobre a História do México. Desde a década de 1990 o escritor, a sua mulher Gemia e os dois filhos dividem o tempo entre Albuquerque, no Novo México, as Maurícias e Nice.