Única câmara hiperbárica do SNS funciona a meio gás
Hospitais inibem-se de enviar doentes devido a custos, diz o responsável
da unidade de Matosinhos
a Em Portugal continental há apenas dois centros de medicina hiperbárica, um em Lisboa e outro em Matosinhos. Mais de dois anos depois de ter arrancado, porém, o centro do Norte está a funcionar apenas a 50 por cento, enquanto o de Lisboa está sempre cheio. "Os doentes não residentes em Matosinhos têm tido muita dificuldade em ser referenciados para aqui", lamenta o director da unidade, o anestesiologista Óscar Camacho, que atribui a inesperada falta de procura a dois problemas: à falta de divulgação desta técnica que aumenta os níveis de oxigénio no sangue e à política de contenção de custos dos hospitais que só enviam para Matosinhos os casos mais graves.Um investimento da ordem do meio milhão de euros, a câmara hiperbárica instalada no Hospital Pedro Hispano (Matosinhos) é, ainda por cima, a única do Serviço Nacional de Saúde (a outra está integrada no Hospital da Marinha, em Lisboa). "A unidade devia ter um financiamento próprio da Administração Regional da Saúde ou da tutela e funcionar como um centro de referência. Isso evitaria que os hospitais se inibissem de referenciar os doentes para aqui", defende Óscar Camacho. "Tenho pessoas a chorar à porta do hospital, outras dispostas a pagar do seu bolso os tratamentos", descreve. Como aos doentes é exigido um termo de responsabilidade - assinado pelo hospital da sua área de residência que assim se compromete a pagar as sessões (90 euros cada) -, sem esse documento não é possível avançar. E isto tem acontecido com alguma frequência. Até Dezembro de 2007, 12 pessoas não tiveram acesso à oxigenoterapia hiperbárica por este motivo. E para algumas esta era "a última indicação terapêutica", lê-se no último relatório de actividades.
O problema dos custos acaba por pesar, acredita Óscar Camacho, recordando que nos primeiros tempos a unidade chegou a ter mais procura do que agora e que, se antes a maior parte dos pacientes provinha de outros hospitais, actualmente o grosso é da área de abrangência da Unidade Local de Saúde de Matosinhos. A agravar, os doentes necessitam de ter luz verde dos hospitais com rapidez. Veja-se o exemplo da surdez súbita: se uma pessoa que não responde à terapêutica convencional for tratada no período da janela terapêutica (entre quatro a seis semanas), a taxa de sucesso ronda os 70 por cento, assegura.
Normalmente associada à actividade de mergulho (problemas de descompressão dos mergulhadores) e ao tratamento da intoxicação de bombeiros ou pessoas vítimas de acidentes com lareiras ou fugas de gás, a oxigenoterapia é recomendada pelo Comité Europeu de Medicina Hiperbárica como tratamento primário ou adjuvante em mais de uma dezena de situações clínicas. Serve para tratar feridas de difícil cicatrização, pé diabético, lesões de radioterapia oncológica, infecções, entre outras condições patológicas.
Tendo em conta as recomendações internacionais neste domínio - cada país deveria ter uma unidade por cada dois milhões de habitantes -, percebe-se facilmente que em Portugal esta modalidade terapêutica ainda é muito pouco utilizada. O desconhecimento dos especialistas é uma das explicações e a falta de meios da unidade de Matosinhos tem limitado a sua divulgação científica. Óscar Camacho é o único médico a tempo inteiro (o colega que o apoia trabalha na unidade a tempo parcial), o que o deixa sem tempo para investir na apresentação de casos clínicos nos hospitais do Norte e do centro do país.
"Este problema não é assim tão linear", contrapõe Fernando Araújo, da Administração Regional de Saúde do Norte, que garante não ter recebido, até à data, queixas de doentes ou de médicos impedidos de recorrer ou de prescrever esta modalidade terapêutica. Sem acreditar que haja hospitais que se recusem a enviar doentes por uma questão de custos, Fernando Araújo nota que a medicina hiperbárica tem uma série de indicações estritas e que persistem algumas dúvidas. "Pode haver falta de argumentos sólidos que demonstrem cabalmente as indicações e pode ser necessário algum esforço de divulgação", admite. Mas considera que a unidade de Matosinhos já funciona como "um centro de referência".