O Elixir d'Amor numa aldeia do nosso tempo chega ao Teatro da Trindade
Com encenação de Maria Emília Correia e direcção musical de Cesário Costa, a produção da ópera de Donizetti que se estreia hoje no Teatro da Trindade será cantada em português e circulará por vários teatros do país
a No seu segundo projecto como encenadora de ópera, a actriz Maria Emília Correia quis transportar a acção da mais famosa obra de Donizetti para uma aldeia dos nossos dias. Na versão de O Elixir d'Amor, que se estreia hoje às 20h no Teatro da Trindade, em Lisboa, há auto-estradas, eólicas e pousadas com reclames fluorescentes. Adina apanha sol à beira da piscina da sua vivenda e não dispensa o seu computador portátil, Nemorino anda de moto, o charlatão Dr. Dulcamara vende detergentes domésticos e o milagroso elixir em garrafões de plástico amarelo e os documentos do notário guardam-se em envelopes acolchoados de correio verde.Seguindo a orientação de outras produções anteriores do Teatro da Trindade, este Elixir d'Amor pretende chegar a um público vasto e será cantado em português. À semelhança do que aconteceu com As Bodas de Fígaro em 2006, a tradução e adaptação do libreto foi feita pelo compositor Nuno Côrte-Real, a direcção musical é de Cesário Costa e o elenco é formado por jovens cantores: Carla Caramujo, João Cipriano Martins, Diogo Oliveira, Nuno Dias e Alexandra Moura. Participam ainda a Orquestra do Algarve e o Coral Lisboa Cantat.
Quando encenou As Bodas de Fígaro há cerca de dois anos, Maria Emília Correia embarcou numa aventura que não sabia se teria continuidade, mas em breve surgiram novos convites: a presente ópera de Donizetti e o desafio para encenar o D. Giovanni, de Mozart, no Teatro Nacional de São Carlos, agendado para o fim da temporada. "São oportunidades que me honram vindas de instituições que são marcos de qualidade. Invisto seriamente em cada projecto, isto não significa que seja a melhor, mas que faço o meu melhor", disse a encenadora ao P2. "Tento preparar-me o melhor que posso, faço trabalho de campo e procuro não seguir modas ou soluções que já foram muito exploradas." Desse trabalho de campo fez parte o estudo da tradição anterior, que está nas origens teatrais desta obra de Donizetti. "O libreto é plagiado [inspira-se no que Eugène Scribe fez para a ópera de Auber O Filtro] e este tipo de personagens estão presentes em muitas outras obras. Embrenhei-me na senda anterior e cheguei até Goldoni e até à commedia dell'arte. Podia ter orientado o trabalho nesse sentido, mas não tinha meios financeiros nem formação para o fazer com brilho. Se não podemos construir a cidade, construímos o nosso lugarejo. O que é preciso é construí-lo com devoção e entusiasmo." A encenadora teve também de ter em conta que o espectáculo vai entrar em digressão e não podia colocar grandes problemas de montagem.
Com libreto de Felice Romani, L'Elisir d'Amore (1832) foi o primeiro grande êxito de Gaetano Donizetti (1797-1848) no domínio da ópera cómica, quer pela eficácia dramática do argumento, quer pelas suas apelativas melodias, das quais a mais célebre é romanza Una furtiva lacrima. O enredo é conhecido. Apaixonado por uma jovem rica (Adina), um rapaz humilde (Nemorino) bebe um elixir que lhe dará as graças da sua amada. Pouco depois o jovem recebe uma herança e torna-se o centro das atenções de todas as raparigas da aldeia...
"Tentei transformar o espectáculo numa realidade fresca que pulsasse com energia e dinamismo. Fiz um estudo depurado dos personagens e encontrei um compromisso com a contemporaneidade", explica a encenadora. "Não se sabe onde fica a aldeia de que fala o libreto, por isso permiti-me a ousadia de a situar nos nossos dias e de a confrontar com o que é a minha leitura do campo aqui nos arredores de Lisboa. As aldeias são hoje atravessadas por auto-estradas, por pontes modernas, têm vivendas com piscinas, os camponeses têm motos." Entre os personagens, Maria Emília Correia gosta especialmente de Dulcamara, "talvez porque é o mais teatral". Em Adina quis acentuar "a coquetterie e a graciosidade", em Gianetta "o seu lado saltitante quase de Maria Rapaz" e em Belcore a dimensão "quase ridícula do sargento fanfarrão muito seguro de si". Nemorino é "o jovem tímido perante o desconcerto da paixão".
O registo cómico tem marcado as primeiras incursões de Maria Emília Correia na ópera, mas a actriz e encenadora "gostava de um dia ainda poder fazer uma grande tragédia." Antes disso as divertidas peripécias de Adina, Nemorino e Dulcamara podem ser vistas no Teatro da Trindade até dia 19 de Outubro. Seguem-se apresentações no Coliseu do Porto (24 de Outubro), nas Caldas da Rainha (22 de Novembro), em Guimarães (28 de Novembro) e em Faro (13 de Dezembro).
"O Elixir d'Amor"
De DonizettiCesário Costa (direcção musical)
Maria Emília Correia (encenação)
Lisboa,Teatro da Trindade, hoje, às 20h. Até 19 de Outubro (4ª, 5ª e sáb., às 20h, dom. às 18h). Bilhetes entre 12 e 25 euros.