Cristãos devem liderar luta contra preconceito homofóbico
Encontro ibérico de homossexuais cristãos concluiu-se ontem em Évora
A Os cristãos estão, por definição, na primeira linha da luta contra o preconceito, defendeu ontem José Manuel Pureza, professor universitário, no encontro ibérico de grupos homossexuais cristãos, que durante o fim-de-semana decorreu em Évora.Convidado em representação do Bloco de Esquerda, Pureza assumiu--se também "como católico". Na sua intervenção, aliás, deu sobretudo espaço à reflexão sobre a questão da homossexualidade e dos homossexuais no interior da Igreja. Foi precisamente a partir de um excerto da Carta de São Paulo aos Gálatas que o professor universitário afirmou: "É preciso fazer a pedagogia de que os cristãos são, por definição, pessoas que repudiam os preconceitos. Há leituras da Bíblia que podem ser contraditórias, mas São Paulo tem um texto muito claro e fundamental em que diz: 'Não há judeu nem grego, nem homem nem mulher, nem senhor nem escravo, somos todos um em Cristo Jesus'."
Recordando outro texto bíblico, o Cântico dos Cânticos, José Pureza afirmou que ele é "um hino à sensualidade e à sexualidade".
Daí que tenha considerado o discurso da Igreja Católica como "inaceitável" e "esquizofrénico", que "dá sempre resultado": "Tem firmeza nos princípios e tolerância para os casos concretos. Mas a vida só é feita de casos concretos." E perguntou: "Quantas vidas já se estragaram com este discurso?"
Começando por recordar que os direitos "nunca foram obtidos por consenso, muito menos por concessão de quem domina", José Pureza considerou que "a promessa emancipadora dos direitos humanos está por cumprir".
"Hoje, há estratégias de esquecimento dessa dimensão de luta e de escândalo" na conquista dos direitos, disse, para verificar: "A afirmação de novos direitos vai a par com a tendência para a retracção" de outros que se julgavam conquistados, na área social, política ou económica.
Fonte de discriminalção
Referindo-se especificamente ao âmbito do encontro, Pureza afirmou que "ser-se homossexual continua hoje a ser fonte de discriminação e ser-se homossexual dentro da Igreja é fonte de dupla discriminação". E foi buscar à história a origem de alguns problemas: "Na Igreja, deu-se primazia a uma moral de transmissão da propriedade, em detrimento de uma moral do amor e da realização."
Clara, uma das participantes espanholas (havia 16 pessoas, entre os quais três mulheres, todas espanholas), recordou que, mesmo na Bíblia, as poucas referências ao tema aparecem por uma questão económica: ao não terem filhos, os homossexuais não contribuíam economicamente para uma sociedade em que o grande número de filhos era essencial.
Pureza comentou que o discurso da Igreja no campo da moral sexual se tornou um "veículo privilegiado de uma ordem social em que amor, corpo e prazer se tornaram valores suspeitos".
O professor da Universidade de Coimbra sublinhou, assim, que "também na Igreja é necessária uma mobilização social" que combata a "duplicidade no discurso da Igreja sobre os direitos humanos: destaca a sua importância, mas, na prática, tem comportamentos violadores de alguns direitos fundamentais".