Um museu dos Descobrimentos no Terreiro do Paço

Um museu assim teria a maior importância para o público nacional e seria imperdível para os turistas que nos visitam

O suplemento Ípsilon do PÚBLICO de 29 de Agosto passado continha um trabalho de Alexandra Prado Coelho sobre o Terreiro do Paço com o título Temos uma praça que é o centro do mundo e (ainda) não sabemos o que fazer com ela. O texto inclui opiniões de Rui Tavares (historiador) e de Ricardo Carvalho (arquitecto).Algumas ideias de Rui Tavares: "Toda a lógica da Baixa traz os turistas até aqui. As pessoas descem do Rossio, mas chegam aqui e o que é que têm? Nada". "Se resolvermos a Praça do Comércio, o resto da Baixa resolver-se-á por contágio." Depois de propor a instalação de uma biblioteca na ala poente da praça, Rui Tavares aponta para o lado oposto e propõe um museu, que "é o que geralmente existe nas praças reais". E remata: "Não é um museu para ter 50 mil visitantes por ano, é para ter 200 mil, 300 mil, 500 mil".
Os pontos de vista de Rui Tavares parecem totalmente ajustados: 1) a sensação de vazio de quem chega à praça, mesmo imaginando-a já com o Cais das Colunas reconstruído; 2) o Terreiro do Paço como chave da revitalização-reinvenção da Baixa; 3) a necessidade de um fortíssimo pólo de atracção (o tal museu) na praça.
Daqui deriva a questão que seguramente muitos leitores puseram a si próprios: que museu pode ali ser instalado com capacidade de atrair centenas de milhares de pessoas por ano, num país que não tem uma colecção como a do Prado (Madrid), a dos Ofícios (Florença), para não falar doutras ainda mais ricas?
A resposta que se propõe neste artigo é um museu para celebrar aquilo que no passado pôs, de facto, o Terreiro do Paço "no centro do mundo": um museu sobre os Descobrimentos Portugueses e a Expansão Europeia (1).
É fácil apontar para um tal museu uma lista de temas incontornáveis, que aliás foram tratados com competência pelas diversas exposições organizadas ao longo da década passada pela Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses (CNCDP): a situação do mundo conhecido dos europeus no fim da Idade Média, os mitos do "mar tenebroso", a arte de marear, as grandes figuras (estadistas, navegadores, homens da Igreja, homens da Ciência, aventureiros), as grandes viagens. Consegue-se imaginar o tratamento destes temas enriquecido com a exibição de objectos de grande simbolismo, como modelos rigorosos das embarcações, astrolábios e outros achados da arqueologia subaquática, originais (ou cópias fiéis) dos mapas mais notáveis, do Tratado de Tordesilhas, da Carta de Pêro Vaz de Caminha, de pinturas como os Painéis de São Vicente e a Adoração dos Magos com o índio do Brasil, de primeiras edições da Peregrinação e de Os Lusíadas.
A exemplo do Pavilhão de Portugal na Expo '98, deveriam ser exploradas as tecnologias de realidade virtual, como a simulação de uma tempestade a bordo de uma caravela do tempo das primeiras viagens. Perto, no Tejo, deveria estar fundeada a fragata D. Fernando II e Glória, bem como réplicas dos sucessivos tipos de embarcações usadas nas Descobertas, algumas propiciando passeios no rio, por exemplo até Belém.
A Construção do Brasil (título particularmente feliz de uma das últimas exposições da CNCDP) deveria ser um dos temas mais fortes. Em complemento, deveria ser contemplada a comunidade dos países lusófonos, bem como as comunidades fora da lusofonia que se sentem ligadas a Portugal, como as de Goa, Malaca e tantas outras.
Deveria ser tratado o património construído, as fortificações e monumentos religiosos e civis associados à expansão, bem como as cidades fundadas e desenhadas pelos portugueses. Mas, no que respeita à arte dos Descobrimentos, não só a arquitectura e o urbanismo merecem referência. Marfins, móveis, jóias, sedas, biombos, porcelanas e azulejos, executados noutros continentes ou em Portugal e na Europa, reflectindo a interacção entre culturas, tornariam o projecto um excepcional museu de arte.
Um museu com estas características teria naturalmente a maior importância para o público nacional. Mas o seu potencial para rapidamente ser considerado "imperdível" para os turistas que nos visitam é imenso, venham eles de países que participaram na expansão europeia, de países do Novo Mundo ou daqueles que no Oriente connosco mais intensamente contactaram, como a Índia, o Japão e a China. Acresce que a abrangência programática acima defendida propiciaria ao museu múltiplas leituras e abordagens.
O ano passado a exposição Encompassing the Globe, em Washington, sobre os Descobrimentos portugueses, foi um grande sucesso. É sabido que a mesma resultou da vontade do director do museu que a albergou, que, em visita ao nosso país, tomara pela primeira vez (!) conhecimento da relevância da contribuição portuguesa para a expansão europeia. O nosso primeiro-ministro foi visitar a exposição num dos últimos dias, declarou-se inspirado e entusiasmado, anunciando que iria fazer esforços para a trazer a Portugal.
Não é especialmente importante que não o tenha conseguido. Importante seria que o Governo compreendesse que algo de consideravelmente melhor e mais abrangente pode ser cá criado, em permanência, à disposição dos cidadãos nacionais e dos milhões de turistas que anualmente nos visitam.
Não há muito tempo, um trabalho do PÚBLICO mostrou até que ponto certos projectos museológicos podem ser decisivos na competitividade entre países e entre cidades. Este projecto, conduzido com rigor, bom gosto e grandeza, pelas suas características únicas, pode ser um museu de enorme relevância internacional. Sediado no Terreiro do Paço, para além de constituir a âncora que a Baixa necessita para a sua reanimação, ficaria ele próprio enormemente valorizado, quer pela qualidade arquitectónica do espaço, quer pela invocação da memória do sítio, da Ribeira das Naus à Casa da Índia! Professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
1) Um museu com estas características foi defendido pelo signatário em 2007 noutro local

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