Descoberta perto de Almodôvar a mais extensa inscrição em escrita do sudoeste
Investigadores classificam o achado como "excepcional", sublinhando que os 86 caracteres decifráveis da estela funerária agora descoberta poderão permitir reconstituir o seu texto
A Uma equipa da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa descobriu na última sexta-feira, na estação arqueológica da Mesas do Castelinho, em Santa Clara-a-Nova, no concelho alentejano de Almodôvar, uma estela funerária em xisto datada da primeira Idade do Ferro, situada entre os séculos VIII e V a.C.O arqueólogo Rui Cortês disse ao PÚBLICO que o vestígio arqueológico agora descoberto é de "excepcional importância", por se encontrar intacto e por apresentar um total de 86 caracteres que abrem as portas para que a chamada "escrita do Sudoeste" venha a ser decifrada.
A estela funerária não se encontrava numa necrópole e foi descoberta por mero acaso pelos arqueólogos envolvidos em mais uma campanha de escavações na Mesa do Castelinho, numa zona já prospectada, numa rua romana, com as inscrições viradas para baixo. Do conjunto das 16 estelas que se encontram depositadas no Museu da Escrita do Sudoeste de Almodôvar (ver caixa), a que acaba de ser descoberta "é um exemplar muito vistoso e apelativo e com um texto enorme".
A estela de maior relevo anteriormente descoberta num território da serra do Caldeirão que abrange parte do Baixo Alentejo e do Algarve, conhecida com Estela de S. Martinho, apresenta 60 caracteres epigrafados e também foi descoberta por acaso. O achado foi feito durante os trabalhos de escavação para a instalação de um tanque de água num local onde não havia mais pedras.
A pedra encontrada ficou então abandonada até que o proprietário do terreno revelou a Rui Cortês, na sequência de um trabalho de investigação que o arqueólogo efectuava em Silves, que tinha em determinado sítio uma pedra "com letras".
A "escrita do Sudoeste", também conhecida como tartéssica, "é a mais antiga da Península Ibérica e uma das mais antigas da Europa", explica o arqueólogo. Na sua origem encontra-se a influência fenícia nos tartessos, nome pelo qual os gregos conheciam a primeira civilização do Ocidente, que se terá desenvolvido nas actuais regiões da Andaluzia espanhola e do Baixo Alentejo e Algarve.
Tal como a maior parte das outras escritas paleo-hispânicas, à excepção do alfabeto greco-ibérico, a escrita tartéssica apresenta signos que representam consoantes e vogais, como os alfabetos, e signos que representam sílabas, como os silabários.
A sua utilização é conhecida entre os séculos VIII e V a.C. no Sudoeste da Península Ibérica e envolveu os povos que habitaram, durante a primeira Idade do Ferro, as regiões do Baixo Alentejo, Algarve, Andaluzia ocidental e Sul da Estremadura (estas duas últimas no actual território espanhol). A escrita dos tartessos, que receberam influências culturais de egípcios e fenícios, é distinta das dos povos vizinhos, é mais complexa e permanece indecifrável até à actualidade. Os seus textos apresentam-se quase sempre da direita para a esquerda sobre estelas. O achado agora descoberto vai ficar exposto no Museu da Escrita do Sudoeste de Almodôvar a partir do dia 25 deste mês.
A Câmara de Almodôvar abriu ao público em Setembro de 2007, no antigo cineteatro municipal, um museu onde estão expostos os vestígios de uma das maiores e mais importantes concentrações de "escrita do Sudoeste" da Península Ibérica. O novo espaço museológico apresenta um espólio de 16 estelas achadas no concelho de Almodôvar. Ao todo, conhecem-se 75 exemplares deste géneros em território português e 90 na Península Ibérica. As estelas funerárias ali exibidas são pedras tumulares de xisto com inscrições da Idade do Ferro.