Uma nova física começa a nascer no anel de luz subterrâneo e no coração da Europa
Quando surgiu nos ecrãs o sinal esperado, a sala de controlo do CERN irrompeu em aplausos, a festejar o sucesso do primeiro dia das experiências para chegar a novos segredos da matéria
a Todos os músculos de Lyn Evans estavam tensos. E quando deu a ordem para avançar, às 9h30 de Genebra (menos uma hora em Lisboa) a tensão se avaliou. Está toda a gente grudada aos ecrãs pendurados alto nas paredes, como que suspensa pelos olhos, à espera de ver no ecrã do lado esquerdo o flash que revelaria que o primeiro feixe de protões acelerados até 99,9 por cento da velocidade da luz tinha completado o percurso da primeira das oito secções do Grande Colisionador de Hadrões (ou LHC, a sigla por que é conhecido este novo megacelerador de partículas do Laboratório Europeu de Física de Partículas. De repente, lá está, quase nem se viu: a sala de controlo irrompeu em aplausos.O dia no CERN, como é mais conhecido este laboratório internacional instalado em cima da fronteira entre a França e a Suíça, foi ontem de festa, daqueles que pedem mesmo abertura de champanhe e bolo. Literalmente. De cada vez que o se via o clarão de luz disparar no ecrã, demonstrando que o feixe de protões tinha superado mais uma secção do túnel subterrâneo de 27 quilómetros de circunferência, a alegria dos cientistas disparava em saudações de palmas, em risos que aliviavam a tensão acumulada da expectativa.
Imagens para recordar
Na sala de controlo do detector Atlas, umas duas horas depois daquele momento-chave, tiravam-se fotografias tendo por trás, projectadas em grande na parede, as primeiras imagens coloridas de partículas obtidas com a estreia da totalidade do túnel com o qual os cientistas querem viajar, por assim dizer, até ao bilionésimo de segundo após o Big Bang. E descobrir "uma nova física", como costumam dizer os físicos.
A ambição é enorme: descobrir o que dá massa às partículas subatómicas e aos átomos e a tudo o que constituem, das estrelas aos nossos olhos e às nossas mãos - identificando uma partícula que é prevista pela teoria há 40 anos, mas que até agora nunca foi encontrada.
Mas também nunca houve uma máquina tão poderosa como esta, com ímanes supercondutores arrefecidos até uma temperatura muito perto do zero absoluto, para obrigar as partículas aceleradas a fazer órbitas arredondadas no acelerador - em vez de irem a direito, como seria a sua tendência. "O anterior acelerador de partículas que estava montado neste mesmo túnel, o LEP, atingia a energia de 100 gigaelectrovolts. Este chegará a sete teraelectrovolts", diz João Varela, coordenador da equipa portuguesa que trabalha num dos detectores ou experiências do LHC, onde os protões acelerados colidem de frente. A energia do LHC é 1000 vezes superior à que podia atingir o LEP.
Não admira que os físicos se sintam entusiasmados com este novo brinquedo - que pode permitir à humanidade descobrir respostas para interrogações que hoje nos fazem sentir mesmo pequeninos face à enormidade do Universo. Por exemplo, o que é a misteriosa energia negra, que será 73 por cento de tudo o que existe, mas que nunca ninguém viu, nem sabe o que é? Sabe-se apenas que funciona como uma espécie de esqueleto do Universo, e que faz com que ele continue a esticar-se, como um elástico que vai perdendo a força que o poderia fazer recuar com grande impulso. Mas talvez a enegia negra se possa explicar por uma partícula nunca antes identificada, e que poderá estar ao alcance do nosso conhecimento com o LHC.
Neste anel de luz subterrâneo (o túnel que aloja o LHC fica a 100 metros de profundidade, abarcando terrenos na França e na Suíça), os cientistas esperam fazer descobertas inesperadas - e esperavam-no desde 1984, quando foi lançada a ideia da sua construção, e se fizeram os primeiros esboços. "É um prazer ver completar-se finalmente um grande projecto", dizia o director-geral do CERN, Robert Aymar, ainda antes de começarem a correr os protões no acelerador de partículas, cuja construção custou, no total, mais de 6000 milhões de euros.
À superfície, só se adivinha a enormidade do que está debaixo do chão dentro de alguns edifícios que parecem apenas grandes barracões - mas onde ficam as cavernas por onde foram descidos todos os componentes desta enorme máquina, desde os mais sofisticados até às grandes estruturas de aço pintadas de laranja e verde, como é de esperar encontrar num estaleiro, por exemplo.
Emoção em várias línguas
Por ser um projecto há tanto tempo sonhado, e para o qual foi desenvolvida tecnologia de ponta, é compreensível a emoção concentrada nos rostos dos cientistas e técnicos concentrados nos centros de controlo, grudados aos ecrãs dos computadores, a olhar para figuras coloridas ou gráficos mais ou menos incompreensíveis para quem aterra ali. A emoção expressa-se em várias línguas: alemão, italiano, espanhol, francês, inglês e português, só para citar algumas. Há cientistas de todo o lado neste grande projecto internacional, que é a nova menina dos olhos da ciência - ontem, o motor de pesquisa na Internet Google estava enfeitado com um desenho que ilustrava a importância que os investigadores lhe dão.
E agora, o que se segue? "Durante as próximas duas semanas, aproximadamente, vai começar a haver colisões de dois feixes de protões, com o níveis de energia a serem puxados gradualmente", explica Ana Henriques, física portuguesa que trabalha no CERN, na experiência ou detector Atlas - um dos locais onde as protões acelerados vão colidir, para que se possam registar os destroços dessas colisões, as partículas que lançam em todas direcções quando são destruídos pelo impacto.
Assim se continuará a recolher alguns dados, até Novembro ou Dezembro - o acelerador fecha durante o Inverno, porque a energia se torna mais cara, e precisa do equivalente à electricidade consumida pela cidade de Genebra para funcionar, explica Ana Henriques. As descobertas, essas, podem começar para o ano.