"O médico torceu o nariz, mas para mim era a felicidade suprema"
Tratamentos no privado custam acima dos quatro mil euros
a Bem diz a expressão "felizes são os ignorantes", pensa hoje Elisabete Abrantes. No início, viveu a notícia de uma gravidez de gémeos como "o Euromilhões com direito a jackpot". "Era o melhor que me podia acontecer." Sofre de infertilidade e só depois de uma fertilização in vitro conseguiu engravidar. Depois de "tanto sofrimento", a notícia da chegada de dois filhos em vez de apenas um "era como uma recompensa". Não percebeu, por isso, por que razão, perante a descoberta de um segundo bebé na ecografia, "o médico torceu o nariz". "Para mim era a felicidade suprema."
A engenheira do Ambiente, que vive na Mealhada (distrito de Aveiro), sabe que o seu sentimento era o da maioria das mulheres inférteis que engravidam de gémeos depois de fazerem tratamentos de Procriação Medicamente Assistida (PMA). Com um custo de cerca de cinco mil euros por ciclo de tratamento, pensa-se também que se "está a rentabilizar o tratamento" e que assim "não tem que se passar por tudo outra vez". Para muitos casais, "até é uma desilusão não ter gémeos".
O conhecimento vem da experiência. Elisabete teve que ficar em casa a partir da 14.ª semana de gravidez, depois de um descolamento de placenta, até ao parto, a 3 de Dezembro do ano passado. Mas o grande despertar para os riscos veio com o que acontecia à sua volta. Duas amigas próximas que também tinham engravidado de gémeos mais ou menos na mesma altura, também depois de tratamentos, perderam-nos às 22 semanas. "Caiu-me o mundo em cima."
Começou a pesquisar na Internet: a partir das 20 semanas aumenta o risco de parto prematuro, leu. "Estava a atravessar aquele período de risco sem saber. Nada estava ganho." Consciente dos riscos, a gravidez passou a parecer uma corrida de obstáculos.
Quando chegou ao marco das 23 semanas soube que, ultrapassado este período, "já havia bebés com viabilidade". "Às 25 semanas a taxa de sobrevivência de prematuros dá um salto, às 28 semanas já é elevada", e assim sucessivamente.
A gestação de gémeos costuma ser às 38. Elisabete chegou às 34 semanas e foi internada. Em vez de ter fruído a gravidez, de ter exibido a barriga, como tinha pensado fazer, passou-a "em angústia".
Depois do nascimento, ainda iludida, pensou que ali chegada tudo seria normal. "Eles podem vir para o quarto?", perguntou à médica a seguir aos nascimentos. A resposta foi negativa. "Nem sequer os vi."
A Leonor, de quilo e meio, teve logo problemas respiratórios e foi para a incubadora; o Dinis, dois quilos, foi atrás da irmã. Lá ficaram, ela 23 dias, ele 13. "Foi um período muito difícil: ver um filho picado, entubado, ver se estão a respirar, assistir ao aumento de cada grama como uma vitória. A minha filha deixou de respirar à minha frente - nunca mais quero ter gémeos."
Elisabete diz que "existe falta de conhecimento sobre o que acarreta a gravidez de gémeos". Quando se pensa nas dificuldades, a maioria associa-as sobretudo às despesas e ao cansaço após o nascimento dos filhos.
"Ser só um foi uma alegria"
Quando Cláudia Vieira foi fazer a primeira ecografia "só apareceu um coração a bater". "Ser só um foi uma grande alegria." Semanas antes, no momento da transferência de embriões, o médico perguntava ao casal: "Vamos transferir um ou dois embriões?" Nem Cláudia nem o marido tinham optado até ao último momento. Na prática, foi o médico quem tomou a decisão.
"Vou transferir dois e vamos ver se a Natureza faz o seu trabalho", disse na altura, "querendo significar 'vamos ver se apenas um deles vai até ao fim'". Quinze dias depois da primeira ecografia descobriram o segundo embrião. "Foi um choque muito grande. Tive medo. Revivi a minha história passada."
Depois de vários anos a tentar ser mãe, Cláudia Vieira, engenheira electrotécnica no Porto e presidente da Associação Portuguesa da Infertilidade, já tinha conseguido engravidar de gémeos em 2006. Na altura "foi uma grande alegria, não pensei nos riscos, pensei 'fico já com o meu problema resolvido, fico já com dois filhos'". Perdeu os dois bebés à 21.ª semana de gravidez porque "eram demasiado prematuros".
Com a sombra dessa perda, o anúncio de uma nova gravidez gemelar preencheu-lhe "de ansiedade" o período de gestação. Sem que o médico lhe tenha pedido medidas tão radicais decidiu, por sua auto-recriação, deixar de conduzir, de viajar. "Praticamente estava em casa e só ia às consultas. Ficava melhor com a minha consciência."
Apesar de todas as cautelas, entrou em trabalho de parto às 27 semanas. "Estava a ver a história a repetir-se", mas isso não aconteceu. Passou as seis semanas seguintes no hospital e acabaram por nascer às 33 semanas porque deixaram de crescer dentro do útero, a 27 de Junho deste ano. A Margarida nasceu com 1,380 quilos, a Marta com 1,600 quilos. Passaram as quatro semanas seguintes na incubadora.
Nesta segunda vez, "felizmente correu tudo bem". Cláudia Vieira não tem dúvidas de que a maior parte dos casais ignora os riscos. Só quem, como ela, já teve uma experiência negativa tem consciência dos perigos da gravidez gemelar. Por isso, a maioria dos casais até quer "arriscar gémeos". É que as listas de espera para tratamentos de infertilidade, sobretudo em Lisboa, são grandes, nota, e quem não quer esperar tem que poupar dinheiro para ir a centros privados. "Existe uma condicionante económica que leva às transferências de dois embriões."
A medida foi anunciada na mensagem de Natal de 2007 do primeiro-ministro, José Sócrates, para estar no terreno este ano, mas isso já não vai acontecer. O início da comparticipação pelo Estado de tratamentos de infertilidade no sector privado só deverá arrancar no primeiro trimestre de 2009, admitiu ao PÚBLICO o coordenador do Programa Nacional de Saúde Reprodutiva, Jorge Branco, referindo que o atraso tem a ver com a necessidade de criar e adquirir um sistema de informação que vai gerir o encaminhamento dos casais candidatos.
Segundo Jorge Branco, foi preciso abrir um concurso público para a elaboração e aquisição deste software. Está previsto que os casais candidatos sejam inseridos por centros de saúde, ginecologistas e hospitais no sistema, que depois os distribui geograficamente para os centros privados e públicos.
A medida prevê o financiamento a 100 por cento das tentativas em centros privados nas técnicas mais simples (inseminação intra-uterina e estimulação ovárica) e a totalidade do financiamento apenas para o primeiro ciclo dos tratamentos mais caros e mais complexos (fertilização in vitro e injecção introcitoplasmática de espermatozóides), para os quais são necessários, em média, três ciclos. Em 2008, previa-se que o investimento governamental ascendesse a 18,34 milhões de euros.
O custo médio de cada ciclo de tratamento de Procriação Medicamente Assistida anda pelos 3,3 mil euros e a medicação custa mais mil (a comparticipação do Estado manteve-se inalterada e é para já de 37 por cento). Cerca de 500 mil casais portugueses têm problemas de infertilidade, estimam os especialistas. C.G.